Aua Baldé
 LL.M. (Harvard Law School)
Doutoranda em Direito pela Católica Global School of Law, Universidade Católica Portuguesa
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 Edition: AHRY Volume 3
  Pages: 49 - 70
 Citation: A Baldé ‘O direito ao desenvolvimento como um direito fundamental: a sua proteção jurídica na União Africana e na ordem jurídica dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa’ (2019) 3 African Human Rights Yearbook 49-70 http://doi.org/10.29053/2523-1367/2019/v3a3
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 Gostaria de agradecer a Vladyslav Lanovoy, Maria João Carapêto, Valéria Zanette, Luísa Netto, Carolina Paulsen e Pedro Rosa Có. Estendo também os meus mais sinceros agradecimentos ao revisor do artigo, Aquinaldo Célio Mandlate. No entanto, o entendimento aqui expresso e possíveis erros são da minha inteira responsabilidade.


RESUMO:

Este artigo debruça-se sobre a proteção do direito ao desenvolvimento no sistema africano de direitos humanos e no ordenamento jurídico dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). O artigo parte da análise da proteção do direito ao desenvolvimento no sistema regional Africano de proteção dos direitos humanos e depois analisa até que ponto esse direito foi incorporado na legislação dos PALOP. O principal instrumento regional analisado foi a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos tendo sido feita também á análise da jurisprudência da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e do Tribunal Africano de Direitos Humanos e dos Povos na sua aplicação das normas contidas na Carta Africana relativamente à proteção do direito ao desenvolvimento. A análise mostra que o direito ao desenvolvimento é expressamente reconhecido e têm caráter vinculativo no sistema africano dos direitos humanos. Já, nas constituições dos PALOP o direito ao desenvolvimento não goza de reconhecimento expresso. Todavia, no quadro jurídico dos PALOP, a adesão dos Estados membros à Carta Africana e o recurso à doutrina dos direitos fundamentais implícitos traduzemse no reconhecimento do direito ao desenvolvimento. Assim, o artigo conclui alegando existência de um direito fundamental ao desenvolvimento reconhecido no ordenamento jurídico dos PALOP e pela subsequente obrigatoriedade de efetivar o gozo e fruição do direito em causa. 

TITLE AND ABSTRACT IN ENGLISH:

The right to development as a fundamental right: its legal protection in the legal order of the African Union and Portuguese-speaking African countries

ABSTRACT:

This article deals with the protection of the right to development in the African human rights system and in the jurisdiction of Portuguese-speaking countries in Africa (PALOP). The article starts with an analysis of the protection of the right to development in the African regional human rights system. It then analyses the extent to which this right has been incorporated in the legal order of PALOP. The main regional instrument assessed is the African Charter on Human and Peoples’ Rights. Moreover, the article examines the jurisprudence of the African Commission on Human and Peoples’ Rights and jurisprudence of the African Court on Human and Peoples’ Rights in its application of the provisions in the African Charter that speak to the protection of the right to development. The analysis shows that the right to development is expressly recognised and attributed with binding force in the African human rights system. Differently, the right to development is not explicitly recognised in the constitutions of PALOP. However, these countries recognise the right to development as a fundamental right by adherence to the African Charter and through the application of the doctrine of implied rights in force in their respective jurisdictions. The conclusion reiterates that the right to development is recognised in the jurisdiction of PALOP stating that these countries have a subsequent duty to ensure the realisation and enjoyment of the right under analysis.

TITRE ET RÉSUMÉ EN FRANÇAIS:

La protection du droit au développement dans l’ordre juridique de l’Union africaine et des pays lusophones en Afrique

RÉSUMÉ:

Cet article examine la protection du droit au développement dans le système africain des droits de l’homme et les systèmes juridiques des pays lusophones en Afrique (PALOP). L’analyse est menée à deux niveaux. D’abord, la protection du droit au développement par les instruments et institutions africains de protection des droits de l’homme. Ensuite, la mesure dans laquelle les systèmes juridiques des PALOP intègrent ce droit. Cet article a principalement examiné la Charte africaine des droits de l’homme et des peuples ainsi que la jurisprudence de la Commission et de la Cour africaines des droits de l’homme et des peuples relative au droit au développement. L’analyse démontre que, contrairement au système africain des droits de l’homme qui reconnait clairement le droit au développement, les constitutions et les lois des PALOP ne le reconnaissent pas explicitement. En revanche, ces pays reconnaissent implicitement le droit au développement à travers la ratification de la Charte africaine et l’application de la théorie des droits implicites. Dans la conclusion, cet article postule que le droit au développement est reconnu dans les systèmes juridiques des PALOP. Ce droit doit être réalisé et ses bénéficiaires doivent en jouir pleinement.

PALAVRAS CHAVE: direito ao desenvolvimento, reconhecimento do direito ao desenvolvimento, direitos humanos, direitos fundamentais, PALOP, África

 

íNDICE:

1 Introdução

2 A proteção do direito ao desenvolvimento no contexto africano

2.1 Noção e evolução do direito ao desenvolvimento

2.2 O direito ao desenvolvimento na Carta Africana

2.3 Direito ao Desenvolvimento na Jurisprudência da Comissão e do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povosm

3 A proteção do direito ao desenvolvimento no contexto dos PALOP

3.1 As Constituições dos PALOP e o direito ao desenvolvimento

3.2 O direito ao desenvolvimento como um direito fundamental implícito

3.3 A proteção do direito ao desenvolvimento através da aplicação da Carta Africana aos PALOP

4 Conclusão

 

1 INTRODUÇÃO

A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos1 prevê o direito ao desenvolvimento como um direito humano fundamental e justiciável, contrariamente aos mais significativos instrumentos jurídicos de cariz nacional e internacional que não reconhecem expressamente o caráter vinculativo do direito ao desenvolvimento. Outrossim, a doutrina tem defendido cada vez mais a existência do direito inalienável ao desenvolvimento. Na verdade, o direito ao desenvolvimento é atualmente entendido como um direito fundamental, integrando não apenas uma componente de reivindicação individualista, mas também e sobretudo como um direito coletivo, ou seja, como um direito dos povos.2

O direito ao desenvolvimento pode ser visto sob a perspetiva nacional e a internacional.3 Estas duas perspetivas são esplanadas com mais detalhe no quadro desta contribuição tendo como exemplo a proteção do direito ao desenvolvimento nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).4 Assim, no quadro desta contribuição, proceder-se-á à análise deste direito no plano do direito internacional, através do estudo da sua consagração nos instrumentos jurídicos da União Africana, nomeadamente a Carta Africana, para depois olhar para o plano nacional onde se examinará a consagração constitucional do mesmo direito a nível dos PALOP. Este último visa esclarecer até que ponto a partilha de referência comuns - designadamente a tradição jurídico-civilista herdada do período colonial, assim como a própria língua Portuguesa - terão ou não servido de fundamento para uma perspetiva constitucional similar na proteção do direito ao desenvolvimento, e simultaneamente quais as especificidades de tais provisões normativas face ao conteúdo jurídico postulado no sistema regional africano.

2 A PROTEÇÃO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NO CONTEXTO AFRICANO

2.1 Noção e evolução do direito ao desenvolvimento

O desenvolvimento, um conceito que a partir dos anos 50 se perspetivava apenas pelo cariz económico,5 ganhou desde finais dos anos 60 do século passado, outras dimensões, passando a incluir preocupações de ordem jurídica, social, cultural e humanitária.6 Outrossim, se por um lado o conceito de desenvolvimento é um conceito polissémico, englobado assim diversas outras noções; por outro lado, desenvolvimento na sua vertente jurídica é, como salienta o Robério dos Anjos Filho, um direito dinâmico que comporta diversos elementos, nomeadamente, económicos, jurídicos, sociológicos, políticos.7

Na verdade, na sequência da descolonização e do movimento dos não-alinhados, o desenvolvimento ganhou um novo significado, através do qual os países em vias de desenvolvimento criticaram os modelos de desenvolvimento dos países do Norte, reclamando uma Nova Ordem Económica Internacional (NOEI), assente na auto-determinação económica.8 A esse respeito, os autores Peixinho e Ferra salientam que:

O direito ao desenvolvimento foi durante a fase de descolonização (década de 1960) uma exigência firmada pelos Estados em desenvolvimento que visava a atingir sua independência política através de uma liberação econômica.9

A aula inaugural do antigo juiz do Tribunal Internacional de Justiça, o Senegalês Kéba Mbaye, proferida durante o Curso de Direitos Humanos do Instituto Internacional de Direitos do Homem de Estrasburgo de 1972, tornou-se um marco histórico no que diz respeito ao direito ao desenvolvimento.10 Nessa aula inaugural, Mbaye estabeleceu os contornos para uma defesa de desenvolvimento como um direito humano, arguindo que este direito se justificava não apenas por razoes político-jurídicas, mas também por imperativos morais. Na sua visão, o direito ao desenvolvimento era um direito de todos e defendia que cada um ‘tem o direito de viver e o direito de viver melhor’.11 Mbaye defendeu a existência de uma correlação entre o desenvolvimento económico e o gozo e fruição de direitos humanos, arguindo que a existência de um implica necessariamente a existência do outro e concluiu realçando que ‘o direito ao desenvolvimento é um direito humano’.12

No entanto, nos anos imediatamente subsequentes à proposta de Mbaye, o direito ao desenvolvimento tornou-se objeto de um debate polarizado e acrimonioso no direito internacional dos direitos humanos.13 Como observa Mickelson:

o debate académico sobre a existência e o alcance de um direito ao desenvolvimento como direito humano continuou no final dos anos 70 e nos anos 80; durante esse período, foi frequentemente identificado como parte de uma ´terceira geração´ de direitos humanos, denominada direitos coletivos ou solidários.14

No entanto, as discussões que polarizaram o debate sobre o direito ao desenvolvimento não se esgotaram apenas na sua definição extrapolando para sua legitimidade tanto passiva como ativa, que se descortina a seguir.

No que se refere à legitimidade ativa no direito ao desenvolvimento, a questão levantou-se em 1979, na conferência titulada ‘direito ao desenvolvimento no plano internacional’ que teve lugar em Haia. Nesta conferência, Kéba Mbaye voltou a salientar que o direito ao desenvolvimento é um direito coletivo uma vez que se ‘trata de mobilizar os recursos materiais e humanos, regionais, nacionais ou internacionais, para garantir a elevação do padrão de vida das populações num ambiente sociocultural satisfatório.’15 Tendo em conta estes elementos, defendeu que o desenvolvimento ‘é um direito coletivo, um direito dos povos.’16 Todavia, o mesmo autor ressalvou que a dimensão coletiva do direito ao desenvolvimento não significava que a componente individual desse direito não fosse relevante; pelo contrário, Mbaye salientou que para determinar o estado de desenvolvimento (coletivo), recorre-se necessariamente a critérios centrados no indivíduo, nomeadamente ‘a taxa de natalidade; taxa de mortalidade; a idade média da população.’17 Por sua vez, Abi-Saab arguiu que o direito ao desenvolvimento na sua vertente de direito individual, tratava-se de um conjunto de direitos já reconhecidos em convenções internacionais, pelo que este direito só ganha uma nova dimensão enquanto direito coletivo.18

No que se refere à legitimidade passiva, ou seja, ao dever de providenciar pelo gozo e fruição do direito ao desenvolvimento, não restam dúvidas - tendo em conta o estipulado no n. º2 do artigo 22 - que este recai sobre os Estados.19 Na verdade, o jurista Senegalês Mbaye defende que o direito ao desenvolvimento tem uma face doméstica e outra internacional, tratando-se, portanto de ‘um poder ou uma prerrogativa que os povos podem exigir aos seus Estados ou à comunidade internacional.’20

2.2 O direito ao desenvolvimento na Carta Africana

Foi anteriormente explanado que a Carta Africana consagra o desenvolvimento como direito humano com caráter vinculativo - constituindo assim o expoente máximo deste novo paradigma que vinha sendo discutido desde finais das décadas de 60 e início de 70. A consagração do direito ao desenvolvimento na Carta Africana encontrou alicerce na construção africana do conceito desenvolvimento que já vinha sendo desenvolvido desde a formulação de Kéba Mbaye no início dos anos 70. Assim, tendo em conta a origem africana21 da formulação do direito ao desenvolvimento enquanto direito humano, não é, portanto, de estranhar a sua consagração na Carta Africana adotada no início dos anos 80. Desde logo, no preâmbulo da Carta Africana, o legislador frisa a necessidade de tomar em consideração o direito ao desenvolvimento, como um dos valores fundamentais e norteadores deste instrumento jurídico de cariz regional. 22 Por sua vez, o artigo 22.º consagra o direito ao desenvolvimento com a seguinte formulação:

1. Todos os povos têm direito ao seu desenvolvimento econômico, social e cultural, no estrito respeito da sua liberdade e da sua identidade, e ao gozo igual do patrimônio comum da humanidade.

2. Os Estados têm o dever, separadamente ou em cooperação, de assegurar o exercício do direito ao desenvolvimento.

A Carta Africana foi o primeiro e continua a ser único instrumento supranacional de carácter vinculativo que consagra o direito ao desenvolvimento.23 Este instrumento regional, impõe aos signatários, nos termos do n. º2 do artigo supramencionado, o dever de adotar medidas para o gozo efetivo do direito em causa. Não obstante o reconhecimento do direito ao desenvolvimento como um direito humano, a sua tipificação é lacónica uma vez que a Carta Africana não define desenvolvimento.24

Para Ngang, Kamga e Gumede, a inexistência de um conceito comum de desenvolvimento é um dos principais motivos de divergência doutrinária sobre o direito ao desenvolvimento. Ora, a doutrina questiona se verdadeiramente existe ou não este direito.25 Os mesmos autores defendem que providenciar uma definição unânime de direito ao desenvolvimento, não é apenas impossível, como também não é necessário, antes pelo contrário que tal conceito deve ser compreendido tendo em conta o contexto específico.26

Independentemente de não ser possível providenciar por uma definição unânime de direito ao desenvolvimento, importa salientar a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (DDD)27 das Nações Unidas, uma vez que este é o único instrumento jurídico supranacional - ainda que sem carácter vinculativo - que logrou proceder à definição do direito ao desenvolvimento.28 Assim, o artigo n. º1 do artigo 1.º da DDD estipula que:

o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual todos os seres humanos e todos os povos têm o direito de participar, de contribuir e de gozar o desenvolvimento económico, social, cultural e político, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais se possam plenamente realizar.

Por sua vez, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos29 reconheceu que esta declaração das Nações Unidas nesta matéria constitui o ‘reconhecimento político e legal mais avançado desse direito a nível internacional’.30 A Comissão estipulou que o direito ao desenvolvimento tem de ser entendido ‘como um direito inalienável, individual ou coletivo, de participar de todas as formas de desenvolvimento, através da plena realização de todos os direitos fundamentais e do gozo dos mesmos sem restrições injustificáveis.’31

Relativamente ao sentido de direito ao desenvolvimento consagrado na Carta Africana, Kéba Mbaye considerou ‘precipitada’ a conclusão que classifica este direito como coletivo, na medida em que defendeu o mesmo autor, este instrumento normativo consagra o direito ao desenvolvimento simultaneamente como um direito ‘coletivo e individual’.32 No entanto, a maioria da doutrina tem entendido que na sua dimensão individual, este direito nada acresce, pois trata-se de ‘direito síntese’ englobando outros direitos.33 Por conseguinte, é na sua perspetiva de direito coletivo que este direito traz uma nova dimensão ao debate dos direitos humanos.

Também parece ser este o sentido do direito ao desenvolvimento consagrado na Carta Africana, que se encontra consagrado estruturalmente na parte referente aos direitos coletivos, os designados direitos dos povos, mas também, pela opção do legislador africano de realçar expressamente o carater coletivo deste como um direito através da utilização da expressão ‘todos os povos’. 34 Por sua vez, a interpretação da própria Comissão nesta matéria tem evoluído e num sentido de maior clarificação do conteúdo normativo deste direito. Na verdade, nas comunicações Sudan Human Rights Organisation e Outros v Sudão considerou que o direito ao desenvolvimento previsto no artigo 22.º constitui um direito coletivo, cujo titular é o povo.35 Mais recentemente, na comunicação Open Society Justice Initiative v Costa de Marfim, a Comissão veio salientar que não obstante a referência aos ‘povos’ no artigo 22.º, não se deve ‘interpretar o direito ao desenvolvimento como sendo única e exclusivamente coletivo,’ reconhecendo o papel do indivíduo na materialização deste direito.36 Ainda assim, o que é certo é que a arguição do direito ao desenvolvimento nos termos da Carta Africana tem sido feita até ao momento num contexto de violações de direitos de grupos e não a titulo individual. Assim, pode-se arguir que nos termos da Carta Africana, a legitimidade ativa relativamente ao direito ao desenvolvimento pertence aos ‘povos’, que neste caso pode ser entendido como uma comunidade, a população de um país ou até os habitantes do próprio continente africano num todo.37

Entretanto, no contexto específico da Carta Africana, e tendo em conta que este é o único instrumento supranacional com carácter vinculativo nesta matéria, importa salientar que recai não apenas sobre os Estados-Parte da Carta Africana o dever vinculativo expresso de implementação do preceituado; ainda sobre eles recai a responsabilidade principal de assegurar o gozo do direito ao desenvolvimento aos povos africanos. Desse modo, tendo em conta o carácter vinculativo do direito ao desenvolvimento no sistema africano de direitos humanos, assiste aos nacionais dos Estados-Parte da Carta Africana a prerrogativa de recorrer tanto aos tribunais domésticos, como aos mecanismos regionais - Comissão e Tribunal - para fazer valer o seu direito ao desenvolvimento. Assim, uma das consequências da adesão à Carta Africana nos termos do n. º2 do artigo 22.º é a obrigação imposta aos Estados Partes de criar um ambiente propício para ‘garantir o exercício do direito ao desenvolvimento’.38 No entanto, de acordo com a interpretação da Comissão, esta obrigação é de implementação progressiva, pelo que cabe aos Estados-Parte:

uma obrigação mediata de cumprir os requisitos para o gozo desse direito e uma obrigação imediata de, pelo menos, criar oportunidades e ambiente propícios ao gozo dos referidos direitos.39

Pode-se, portanto, concluir que o direito ao desenvolvimento tem uma natureza sui generis40 na medida em que pode ser considerado como comportando vários outros direitos humanos, tanto os direitos civis e políticos, como os direitos económicos, sociais e culturais. Por conseguinte, o direito ao desenvolvimento pode ser compreendido como um direito em si mesmo, assim como traduzir-se em vários outros direitos humanos previstos na Carta Africana. Esta visão mais não é do que o reflexo de uma das características fundamentais da Carta Africana e que norteou todo o processo de elaboração da mesma: princípio da invisibilidade dos direitos humanos.41 Na verdade, interdependência e indivisibilidade são as premissas fundamentais para o direito ao desenvolvimento que coloca a pessoa humana como ‘sujeito central do desenvolvimento’ e simultaneamente como agente ativo e beneficiário deste direito.42

Assim, a consagração de direito ao desenvolvimento na Carta Africana reflete aquilo que são as características essenciais e distintivas deste mecanismo regional de promoção e proteção de direitos humanos. O direito ao desenvolvimento na Carta Africana pode ser visto por um lado enquanto cômputo de um direito indivisível cuja consagração reverte não só como direito do indivíduo, mas sobretudo como um direito coletivo, um direito dos povos, realçando assim a componente de solidariedade deste direito e enquadrando-o no grupo de terceira geração de direitos humanos.

A análise precedente sobre as disposições da Carta africana relativamente ao direito ao desenvolvimento - máxime o paragrafo 8º do preâmbulo e artigo 22.º - evidenciou uma consagração lacónica do direito ao desenvolvimento e a necessidade de contextualizar este exercício com exemplos concretos providenciados pela análise jurisprudencial, para assim se obter uma visão global do direito ao desenvolvimento no contexto africano. Procede-se de seguida à análise da jurisprudência da Comissão Africana e do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos que abrange a proteção do direito ora em causa.

2.3 Direito ao desenvolvimento na jurisprudência da Comissão e do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos

Existe alguma jurisprudência da Comissão e pouca do Tribunal Africano dos Direitos do Humanos e dos Povos que tratam da matéria do direito ao desenvolvimento e cuja análise se procede de seguida. No âmbito da comunicação n.º 227/99, República Democrática do Congo v Burundi, Ruanda e Uganda43 a Comissão teve a oportunidade de se debruçar pela primeira vez sobre as questões de mérito relativo ao direito ao desenvolvimento, tendo concluído que houve violação desse direito por força de violação de um outro direito consagrado na Carta Africana: o direito à livre disposição da riqueza e dos recursos naturais, consagrado no artigo 21.º. O caso vertia sobre a alegada violação de direitos humanos - incluindo massacres, estupro, disseminação de doenças sexualmente transmissíveis - cometida pelas forças armadas dos três países na República Democrática do Congo. Entendeu a Comissão que:44

A privação do direito do povo da República Democrática do Congo, neste caso, a dispor livremente da sua riqueza e recursos naturais deu azo a uma outra violação - do direito ao seu desenvolvimento económico, social e cultural e ao dever geral dos Estados de individual e coletivamente, assegurar o exercício do direito ao desenvolvimento, garantido segundo o artigo 22.º da Carta Africana.

Neste caso, portanto, a violação do direito ao desenvolvimento do Estado da República Democrática do Congo vem como consequência da própria violação do artigo 21.º imputando assim aos Estados demandados a exploração ilegal dos recursos naturais do demandante, através de inter alia, ‘confiscação, a extração e o monopólio forçado e a fixação de preços’.45 Através desta decisão que condenou simultaneamente três países relativamente à violação do direito ao desenvolvimento, a Comissão vem reforçar de certa forma, a interpretação anteriormente defendida relativamente à legitimidade passiva nesta questão. Assim, pode-se afirmar que através desta decisão confirmou-se a possibilidade de responsabilizar não apenas um Estado em particular, mas um conjunto de Estado.

Já, nas comunicações n.ºs 279/03 e 296/05,46 Sudan Human Rights Organisation e Outros v Sudão, os queixosos alegaram que o governo do Sudão cometeu violações sistemáticas e maciças contra a população negra pertencentes a algumas das tribos em Darfur, tendo originado o desalojamento forçado daquela população. Os queixosos alegaram ainda que os ataques perpetrados pela milícia árabe levaram ao desalojamento forçado de populações negras do Darfur e consequentemente resultando na sonegação de oportunidades de desenvolvimento económico, social e cultural.47 Arguiram que o desalojamento forçado e as subsequentes violações consubstanciam violação do direito à alimentação adequada e à água implicitamente garantidos nos artigos 4.º, 16.º e 22.º da Carta Africana.48 Tendo sido chamada a apreciar o caso, a Comissão Africana entendeu ter havido violação do direito ao desenvolvimento por parte do Governo Sudanês salientando que os ataques e desalojamentos forçados por um lado levaram à impossibilidade destes se envolverem ‘em atividades económicas, sociais e culturais’ e por outro lado interferiram com o direito à educação das crianças.49 

Na comunicação n.º 273/03 Centre for Minority Rights Development e Minority Rights Group (em nome do Endorois Welfare Council) v Quénia,50 os queixosos denunciaram as expulsões forçadas à comunidade indígena dos Endorois das suas terras ancestrais e através disso alegaram a violação de vários direitos da Carta Africana incluindo o direito ao desenvolvimento. Segundo os queixosos o Estado demandado procedeu à criação de uma zona de reserva de caça nas terras ancestrais do povo Endorois forçando-o a abandonar o seu território. Os queixosos alegam que a violação do artigo 22.º se deu não só devido à falta de participação dos Endorois no processo de desenvolvimento51 delineado pelo governo queniano, mas também tendo em conta o fato de terem sido excluídos dos benefícios desse mesmo desenvolvimento.52 Na sua análise a Comissão salientou que o direito ao desenvolvimento implica um duplo teste, isso é, a participação dos beneficiários no processo de desenvolvimento, bem como no usufruto dos resultados. Isto significa que a implementação deste direito tem necessariamente que ter em conta tanto os meios como o fim, pelo que o não cumprimento de quaisquer destes requisitos implica a violação do direito ao desenvolvimento.53 A Comissão concluiu que houve violação do artigo 22.º uma vez que competia ao Estado queniano ‘assegurar que os Endorois não seriam excluídos do processo de desenvolvimento ou dos benefícios daí decorrentes.’54

Na comunicação n. º318/06 Open Society Justice Initiative v Costa de Marfim55 o queixoso alegou uma discriminação sistemática e recorrente da população Dioula, consubstanciando entre outros, a violação do artigo 22.º da Carta Africana. Na verdade, segundo os queixosos, desde 1993 que o Governo Costa Marfinense vinha sedimentando a ideologia do ´ivoirinité´ alimentando assim xenofobia com vista a justificar a discriminação contra a população Dioula e a sua recusa em conceder nacionalidade a estes.56 Em virtude de tais políticas Estatais a população Dioula viu-se privada de fato e de direito da nacionalidade marfinense encontrando-se numa situação de apatridismo. O queixoso alegou que houve violação do aludido artigo 22.º da Carta na medida em que ‘a negação arbitrária da nacionalidade impediu que os Dioulas atingissem suas ambições e todo o seu potencial humano’.57 Na sua decisão, a Comissão considerou que a negação do direito à nacionalidade impediu os Dioulas de gozar e fruir de uma série de vantagens, nomeadamente foi-lhes vedada a possibilidade de, inter alia, ‘aceder a empregos públicos, participar da vida pública e política, de votar e ser votado.’58 Consequentemente, a Comissão concluiu que houve violação do direito ao desenvolvimento nos termos previsto no artigo 22.º.59 Importa salientar que esta comunicação veio confirmar caráter de direito desenvolvimento como direito síntese, na medida em que considerou especificamente que houve violação deste direito devido à sonegação do uso e fruição dos direitos económicos, sociais e culturais; mas também dos direitos civis e políticos.

Na comunicação n.º 39360 Institute for Human Rights and Development in Africa e outros v República Democrática do Congo, os queixosos em representação do povo Kilwa alegaram a violação de vários direitos consagrados na Carta Africana, incluindo o direito ao desenvolvimento. O incidente teve a sua origem na sequência de uma insurreição de um pequeno grupo rebelde na localidade de Kilwa. Como resposta o exército congolês equipado por uma empresa australiana de mineração saqueou e bombardeou a localidade levando à morte de pelo menos 70 pessoas. Os queixosos alegaram que a pilhagem e a destruição de utensílios de trabalho levou os habitantes de Kilwa à precariedade e à pobreza consubstanciando assim um violação do direito económico ao desenvolvimento.61 Outrossim, os queixosos alegaram que a sepultura dos mortos em valas comuns constituiu uma afronta aos valores e tradições africanas e como tal uma violação do direito ao desenvolvimento cultural do povo Kilwa.62 No seu relatório a Comissão confirmou a alegação dos queixosos estabelecendo que houve uma violação do artigo 22.º por duas vias. Por um lado, verificou-se a violação do direito ao desenvolvimento económico da população Kilwa em virtude da destruição de bens e propriedades; assim como a destruição de infraestruturas nomeadamente escolas e centros de saúde.63 Por outro lado, considerou ainda a Comissão que houve a violação do direito ao desenvolvimento cultural por força do impedimento de enterrar os mortos de acordo com as práticas tradicionais da comunidade Kilwa.64

O caso Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos v Quénia65 é o único caso até ao momento em que houve uma condenação por violação do artigo 22.º pelo Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos. A relevância desta condenação impõe-se desde logo pela distinta natureza jurídica das decisões proferidas pela Comissão e pelo Tribunal, sendo certo que as primeiras são meras recomendações, enquanto que as últimas têm um caráter vinculativo com força executória para as partes. O demandante alegou que houve violação do artigo 22.º por parte do Estado Queniano em virtude de expulsão forçada do povo Ogiek das suas terras ancestrais na Floresta Mau; assim como pelo fato de o Governo não ter consultado ou obtido consentimento prévio relativamente às políticas de desenvolvimento levadas a cabo nesse território.66 O Tribunal condenou o Estado Queniano por violação do direito ao desenvolvimento, sublinhando que esta se verificou não só em virtude da expulsão forçada, mas também por conta da ausência de consulta à comunidade Ogiek na implementação de políticas de desenvolvimento nas suas terras ancestrais.67

Finda a análise sobre o quadro jurídico e a jurisprudência do sistema africano relativo ao direito ao desenvolvimento, procedemos para um sumário do que a nosso ver releva nesta questão, tendo em conta sobretudo a visão da Comissão, uma vez que tem sido esta a principal responsável pelo esclarecimento do conteúdo e alcance do direito ao desenvolvimento no contexto africano. Assim, o pioneirismo na consagração do direito ao desenvolvimento conseguido pela Carta Africana, não logrou, contudo, proceder à definição do conteúdo deste direito. O trabalho de esclarecimento do conteúdo deste direito tem sido essencialmente feito pela Comissão, que para tal tem recorrido à doutrina, à visão das Nações Unidas e à jurisprudência do sistema interamericano de direitos humanos sobre esta matéria.

Outrossim, considera-se que o direito ao desenvolvimento tem simultaneamente uma natureza adjetiva e substantiva. Quanto ao direito adjetivo ou processual a Comissão salientou que o cumprimento do direito ao desenvolvimento implica proporcionar a participação da comunidade visada na tomada de decisões. Portanto, trata-se aqui de uma obrigação de meio, ou seja, uma obrigação processual.68 Por sua vez, a vertente substantiva do direito ao desenvolvimento também foi objeto de análise, tendo a Comissão definido o que entende por direito ao desenvolvimento económico e o direito ao desenvolvimento cultural. A esse respeito, pode-se avançar de forma resumida que a Comissão entendeu que o direito ao desenvolvimento implica o direito de participar no processo e de beneficiar dos resultados de desenvolvimento, assim como o dever de respeitar práticas culturais, designadamente ritos funerários.69

Finalmente, importa frisar que tendo em conta os casos apresentados perante a Comissão Africana, pode-se concluir que a violação do direito ao desenvolvimento tem implicado a violação de outros direitos, designadamente, a violação do direito à cultura, à terra, aos recursos naturais, à propriedade, à educação. Faz sentido que assim seja, uma vez que como se expôs anteriormente, o gozo e fruição do direito ao desenvolvimento acarreta também o gozo e fruição de outros direitos previstos na Carta Africana. A jurisprudência do Tribunal nesta matéria, se bem que insípida, confirma esta tese.

3 A PROTEÇÃO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO NO CONTEXTO DOS PALOP

3.1 As Constituições dos PALOP e o direito ao desenvolvimento

As constituições dos PALOP 70 atualmente em vigor e aqui analisadas,

pertencem à chamada ‘segunda Era constitucional’71 que se iniciou nos anos 90, dando lugar à instalação de regimes democráticos e abertura ao multipartidarismo que pôs fim ao sistema de partido único que vigorava até então.72

Na maioria dos países PALOP este processo, após vicissitudes várias, levaria à adoção de um texto constitucional novo. Segundo Luís Fonseca,

a evolução político-constitucional registada nos países da Comunidade de Língua Portuguesa nos últimos trinta anos espelha os avanços políticos fundamentais no que tange à conquista pelos seus povos de direitos políticos, sociais e económicos que, consagrados nas normas constitucionais avançadas, colocam os textos fundamentais vigentes nos Estados membros da nossa comunidade em linha com os mais altos padrões de prática política e social.73

A Guiné-Bissau constitui uma exceção a este novo período constitucional que marcou o desenvolvimento político dos PALOP. A Lei Fundamental passou por revisões pontuais ao texto de 1984, com o objetivo de responder aos novos desafios impostos pela abertura democrática 74 sem que, no entanto, de tal exercício tenha resultado na adoção de uma nova constituição.

Nos textos constitucionais dos PALOP em vigor e contrariamente ao que está previsto na Constituição Portuguesa,75 não existe referência expressa ao direito ao desenvolvimento. Com exceção da Constituição da Guiné-Bissau,76 as constituições dos PALOP reconhecem apenas a relevância de desenvolvimento enquanto um dos princípios e valores estruturantes das normas jurídicas nelas consagradas.

Nas constituições em alusão, a referência feita ao desenvolvimento consta do preâmbulo ou de normas integrantes do texto constitucional. A importância da menção de desenvolvimento no preâmbulo, assim como nos princípios estruturantes de uma constituição prende-se, desde logo com o fato de servir para espelhar aquilo que o legislador constitucional entende serem os valores essenciais e que devem nortear e servir de guia para a interpretação e aplicação da mesma.

Por conseguinte, nos casos da Constituição da República de Angola (CRA)77 e a Constituição da República de Cabo Verde (CRCV)78 a referência à relevância do desenvolvimento, encontra-se desde logo salientada no preâmbulo, enquanto que esta mesma reflexão no caso da Constituição da República de Moçambique (CRM)79 e da Constituição da República de São Tomé e Príncipe (CRSTP)80 encontra-se prevista no texto constitucional.

Assim, a CRA no seu preâmbulo estabelece o compromisso do Estado angolano com ‘a reconciliação, a igualdade, a justiça e o desenvolvimento’, reiterando a necessidade de a constituição servir de alicerce ao ‘desenvolvimento’ e reconhecendo ainda a necessidade de assegurar ‘os mais altos anseios do povo angolano de estabilidade, dignidade, liberdade, desenvolvimento e edificação de um país moderno, próspero, inclusivo, democrático e socialmente justo.’81

Por sua vez, o preâmbulo da CRCV frisa que a revisão constitucional almejou justamente criar condições para o ‘exercício do poder e da cidadania num clima de liberdade, paz e justiça, fundamento de todo o desenvolvimento económico, social e cultural de Cabo Verde’, estipulando que a Administração deverá estar ‘ao serviço dos cidadãos e concebida como instrumento de desenvolvimento.’ Além do mais, segundo o artigo 1.º CRCV, o legislador cabo-verdiano comprometeu-se:

à remoção de todos os obstáculos que possam impedir o pleno desenvolvimento da pessoa humana e limitar a igualdade dos cidadãos e a efetiva participação destes na organização política, social, económica, social e cultural do Estado e da sociedade cabo-verdiana.82

O preâmbulo da CRSTP reconhece como uma das razões para a revisão constitucional o dever ‘de promover um desenvolvimento equilibrado e harmonioso de São Tomé e Príncipe’. Por sua vez o n. º1 do artigo 9.º reconhece que a organização económica do país tem como objetivo ‘a independência nacional, o desenvolvimento e a justiça social.’

Apesar do preâmbulo da CRM não fazer referência ao desenvolvimento, o artigo 11.º do texto constitucional prevê como um dos objetivos do Estado moçambicano a ‘promoção do desenvolvimento equilibrado, económico, social e regional do país;’83 assim como ‘o desenvolvimento da economia e o progresso da ciência e da técnica.’84 Por sua vez a alínea e) do artigo 11.º dispõe que um dos objetivos do Estado é ‘a defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei.’

No caso da Constituição da Guiné-Bissau, apesar da ausência do reconhecimento do desenvolvimento, o artigo 58.º prevê, curiosamente, a realização progressiva dos direitos económicos e sociais, mas condicionando-a ao desenvolvimento do país.85 Por sua vez, o legislador guineense estipulou que a autorização ao investimento estrangeiro no país está sujeita à sua utilidade para o ‘desenvolvimento económico e social do país.’86

Neste sentido, à exceção da CRGB, e resultado da leitura dos preceitos constitucionais anteriormente mencionados, pode-se concluir pelo reconhecimento do desenvolvimento como um dos pilares do Estado democrático e multipartidário nos PALOP. O desenvolvimento é previsto nestas constituições - não na ótica de um direito ao desenvolvimento - mas antes como um instrumento e elemento que deverá nortear as políticas públicas destes Estados. O legislador constitucional pretendeu estabelecer o dever dos Estados de promover e proteger os direitos humanos em geral, incluindo o dever de assegurar o desenvolvimento destes países.

Outrossim, a doutrina salienta que de um modo geral as constituições dos PALOP consagraram no seu catálogo, para além dos direitos civis e políticos, também os direitos económicos, sociais e culturais. Aliás como salienta Bacelar Gouveia:

do ponto de vista de proteção dos direitos fundamentais, cumpre também observar que o caminho percorrido pelos Direitos Constitucionais de Língua Portuguesa revela uma generalizada aceitação de altos padrões de proteção desses mesmos direitos, o que se pode comprovar através da observação dos catálogos, mais ou menos generosos, da sua consagração.87

Assim, não obstante o fato de o direito ao desenvolvimento não estar expressamente reconhecido nas constituições dos PALOP, entendemos que as constituições dos PALOP estipulam a proteção deste direito por duas vias. Por um lado, as constituições em análise protegem o direito ao desenvolvimento como um direito fundamental implícito e por outro lado, através da proteção oferecida pela Carta Africana. Procede-se de seguida a uma análise detalhada dos argumentos aqui enunciados.

3.2 O direito ao desenvolvimento como um direito fundamental implícito

Vimos que o conceito de desenvolvimento é considerado como um dos pilares basilares das constituições dos PALOP e enquanto tal, deverá nortear as políticas públicas dos Estados em causa. Importa analisar se existe ou não consagração constitucional de um direito fundamental ao desenvolvimento nestas constituições.

A este propósito, vamos começar por esclarecer o significado do conceito de direitos fundamentais, entendendo-se serem estes os direitos concedidos às pessoas face ao poder estatal e consagradas constitucionalmente e como tal dotadas de força vinculatória plena.88 Desta definição resulta que uma das características essenciais dos direitos fundamentais é a sua consagração na constituição. Assim, segundo Alexandrino ‘os direitos fundamentais são direitos previstos na Constituição.’89 Decorre deste argumento, tendo em conta a análise anterior, que direito ao desenvolvimento não estando expressamente previsto nas constituições dos PALOP, pressuporia a priori, que tal direito não seria um direito fundamental e consequentemente não teria dignidade constitucional.

No entanto, se por um lado na visão clássica os direitos fundamentais são os que estão expressamente previstos, isto é, positivados na constituição, a doutrina tem sublinhado a relevância dos direitos fundamentais em sentido material.90 Neste sentido, Jorge Miranda defende que os direitos fundamentais decorrentes da lei e das regras de direito internacional91 são fundamentais em sentido material e não em sentido formal, uma vez que no conjunto do ordenamento jurídico desempenham uma função substantiva idêntica mas não beneficiam das garantias inerentes às normas constitucionais, maxime a rigidez ligada à revisão constitucional e à fiscalização da constitucionalidade.92

Por conseguinte, a constituição em sentido material, remete para princípio da não taxatividade dos direitos fundamentais. Na verdade, a ideia dos direitos constitucionais em sentido material põe em evidência o princípio da cláusula aberta da constituição. Este princípio, tem como pressuposto a ideia de que poderão existir outros direitos fundamentais para além dos que estão expressamente i.e. formalmente - previstos e positivados na lei constitucional, através de uma enumeração aberta com a possibilidade de adição de novos direitos.93 No contexto específico dos PALOP, Bacelar Gouveia vem confirmar esta ideia ao salientar que ‘o sistema constitucional de direitos fundamentais nem sequer se pode considerar um sistema fechado, mas antes aberto,’94 argumento que secundamos atendendo a que as constituições dos PALOP, numa fórmula quase idêntica, consagram o princípio da cláusula aberta.95 Ao reconhecer o carácter não exaustivo dos direitos consagrados na constituição, os legisladores constitucionalistas dos PALOP estabeleceram um regime de direitos fundamentais implícito e com isso criaram um mecanismo para o aparecimento de direitos novos - incluindo o caso sub júdice de direito ao desenvolvimento - que gozarão da mesma dignidade constitucional daqueles que estão expressamente previstos nas constituições.96

Reveste-se, pois, de suma importância, a existência de cláusulas abertas nas constituições, incluindo nas constituições dos PALOP na medida em que tais cláusulas favorecem a flexibilidade na incorporação de normas jurídicas internacionais essenciais para o ordenamento jurídico interno e a atribuição às mesmas de uma dignidade constitucional, sem necessariamente ter de passar por um processo moroso e por vezes rígido de revisão constitucional.

3.3 A proteção do direito ao desenvolvimento através da aplicação da Carta Africana aos PALOP

Acresce a esta ideia da fundamentalidade implícita do direito ao desenvolvimento nos PALOP;97 a da proteção deste direito por virtude da adesão destes países à Carta Africana e a consequente aplicação desta no ordenamento jurídico destes países. Como já referimos na primeira parte a Carta Africana é o único instrumento jurídico supranacional que estabelece o caráter vinculativo deste direito e consequentemente através do n.º2 do seu articulado 22.º impõe deveres aos Estados-Parte. Como consequência desse dever, Ouguergouz esclarece que ‘é nos Estados-Parte que recai a responsabilidade principal sobre o gozo dos povos do direito ao desenvolvimento.’98 Assim, importa ter em consideração, não só o regime de aplicação de direito internacional nos ordenamentos jurídicos internos dos PALOP, mas também salientar a relevância de direitos humanos de fonte supranacional nestes mesmos ordenamentos jurídicos.

A existência de um direito ao desenvolvimento no contexto dos PALOP pode ser defendida por virtude de incorporação da Carta Africana nos ordenamentos jurídicos internos dos países em causa. O modelo de receção estipula a integração do direito internacional na ordem jurídica interna, enquanto tal e sem necessidade de transformação.99 Na verdade, à exceção da Constituição de Guiné-Bissau,100 todos PALOP regulam expressamente a incorporação de direito internacional público na ordem jurídica interna, através do modelo de receção numa formulação mais ou menos idêntica.101 Daí que Bacelar Gouveia tenha salientado que:

da leitura dos textos constitucionais [incluindo as constituições dos PALOP] permite chegar à conclusão de que em todos eles, direta ou indiretamente, os direitos do homem, consagrados pelas ‘... regras aplicáveis do Direito Internacional...’, são assumidos como fonte interna dos direitos fundamentais.102

Mais concretamente no que diz respeito à interpretação e integração de matéria de direitos humanos provenientes de fontes internacionais nos PALOP, existem dois regimes. Por um lado, as das constituições angolana e moçambicana que fazem referência expressa à Carta Africana e por outro lado, as demais constituições cujas previsões se limitam à Declaração Universal dos Direitos Humanos.

As constituições angolanas e moçambicanas remetem especificamente para a Carta Africana. Desde logo, a constituição angolana é considerada como um dos exemplos mais significativos de incorporação direta dos instrumentos internacionais de direitos humanos.103 O legislador angolano, através do regime consagrado 26.º da constituição, estabelece de forma explícita e inequívoca o primado do direito internacional face ao ordenamento jurídico interno, escolhendo os ‘textos internacionais enquanto padrão de conformação,’104 e impõe aos tribunais nacionais a aplicação de instrumentos jurídicos internacionais ainda que não tenham sido invocados pelas partes. Por sua vez a constituição moçambicana prevê no seu artigo 43.º que ‘os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais são interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.’ Naturalmente, o estipulado neste artigo impõe a conformação dos preceitos constitucionais com as normas de direitos humanos oriundas de fonte supranacional, designadamente a Carta Africana.105

As constituições de Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe remetem apenas para a Declaração Universal dos Direitos Humanos.106 Ainda que não haja um acolhimento expresso da Carta Africana nas constituições destes Estados, consideramos que a mesma se aplica. Esta doutrina é defensável tendo em conta não só o fato destes países terem aderido à Carta Africana e como tal estando a ela vinculados, mas também porque nas respetivas constituições, a proteção de Direito Internacional dos Direitos Humanos assume especial relevância nos termos já descritos e tendo como consequência a exigência de conformação das normas constitucionais internas com o regime internacional nestas matérias.

Assim, a adesão dos PALOP à Carta Africana traduz-se na obrigatoriedade107 de promover e proteger os direitos nele consagrados e consequentemente, a aplicação direta deste normativo legal nos ordenamentos jurídicos internos destes países, assistindo aos cidadãos dos PALOP um direito inalienável ao desenvolvimento.

4 CONCLUSÃO

A presente comunicação procurou explorar a questão do direito ao desenvolvimento com enfoque nos mecanismos da União Africana e na ordem jurídica interna dos países africanos de língua oficial portuguesa. Procurou-se refletir sobre a origem do direito ao desenvolvimento, salientando suas características essenciais. De seguida, fizemos uma análise da jurisprudência do sistema africano de direitos humanos e o posicionamento da Comissão e do Tribunal nesta matéria.

Apresentamos a perspetiva da África lusófona sobre a proteção constitucional do direito ao desenvolvimento partindo do princípio que ‘as constituições são as bases essenciais para estabelecer uma agenda abrangente para a modernização e reconstrução política dos países em particular e do continente africano no geral’108 e que são instrumentos normativos que desempenham um papel cada vez mais fundamental no dia a dia dos africanos. Relativamente às constituições dos PALOP, estas resultaram de demorado processo político que se iniciou com o fim do colonialismo, seguindo-se a instalação de um sistema de partido único e nalguns deles com instabilidade interna provocada por anos de guerras civis e culminando com a abertura democrática que se deu no início dos anos 90. Consequentemente, o processo de adoção da constituição na fase pós-1990 de abertura democrática, através de processos mais ou menos completos de revisão constitucional serve de fundamento e explicação para um maior ou menor destaque conferido ao Direito Internacional em geral e direitos humanos em particular.

Da apreciação crítica das constituições dos PALOP, resultou que, não obstante a inexistência de uma consagração expressa do direito ao desenvolvimento, pode-se ainda assim arguir pela proteção constitucional deste direito se conjugarmos a noção de direitos fundamentais implícitos com a imposição que emana da Carta Africana de observância dos direitos aí consagrados pelos Estados-Parte, assim como pela via do reconhecimento do direito internacional. Desta análise conclui-se pela existência de um direito inalienável ao desenvolvimento para os cidadãos dos PALOP, que impõe uma responsabilidade aos Estados de implementar políticas para a efetivação deste direito. Assim, se ao nível normativo a existência deste direito é inquestionável, o mesmo poderá não ser o caso na sua implementação prática.

 

 


1. A Organização da Unidade Africana, Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, foi adotada em Nairobi a 27 de Junho de 1981 e entrou em vigor a 21 de outubro de 1986, CAB/LEG/67/3 ver.5, ILM 58 (1982), a versão portuguesa disponível no https://www.achpr.org/pr_legalinstruments/detail?id=49 (visitado a 28 julho 2019). Doravante a Carta Africana.

2. ME Salomon and A Sengupta, ‘The Right to Development: Obligations of States and the Rights of Minorities and Indigenous Peoples’ Minority Rights Group International (2003), disponível em https://minorityrights.org/wp-content/uploads/old-site-downloads/download-73-The-Right-to-Development-Obligations-of-States-and-the-Rights-of-Minorities-and-Indigenous-Peoples.pdf (consultado 28 setembro 2019).

3. K Mbaye Les droits de l’homme en Afrique (1992) 208.

4. Os PALOP são: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

5. RR Amaro ‘Desenvolvimento - um conceito ultrapassado ou em renovação? Da teoria à prática e da prática à teoria’ (2003) 4 Cadernos de Estudos Africanos, 35-36, https://doi.org/10.4000/cea.1573 (consultado a 14 agosto 2019).

6. RN Anjos Filho Direito ao desenvolvimento (2013) 73.

7. Anjos Filho (n 6) 18.

8. Vide: R Adeola ‘The right to development under the African Charter: is there an extraterritorial reach?’ in CC Ngang et al (eds) Perspectives on the right to development; BA Pino ‘Evolução histórica da cooperacao Sul-Sul (CSS)’ in AM Souza (ed) 34 Repensando a cooperação internacional para o desenvolvimento IPEA 57-86.

9. MM Peixinho e AS Ferra ‘Direito ao desenvolvimento como direito fundamental’ disponível em http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/manoel_messias_peixinho.pdf (consultado 14 agosto 2019).

10. K Mbaye ‘Le droit au développement comme un droit de l´homme’ (1972) Revue des droits de l´homme 505-34. No entanto, importa salientar, que apesar desta aula representar um marco histórico, existe uma divergência doutrinal quanto à origem do direito ao desenvolvimento enquanto direitos humanos. Assim, enquanto alguns apontam para inícios da década de 1970 e atribuem a Kéba Mbaye a formulação de desenvolvimento enquanto direitos humanos, neste sentido vide OO Oduwole ‘Africa’s contribution to the advancement of the right to development in international law’ in CC Jalloh e O Elias (eds) Shielding humanity: essays in international law in honour of Judge Abdul G. Koroma, (BRILL, 2015), 566; S Marks ‘The human right to development: between rhetoric and reality’ (2004) 17 Harvard Human Rights Journal 138; VOO Nmehielle The African human rights system: its laws, practice, and institutions 149-150. Outros, no entanto, na senda de Ouguergouz, apontam para finais da década anterior como o momento de aparecimento das primeiras referências. Na verdade, Ouguergouz atribui a primeira referência ao então Ministro de Negócios Estrangeiros Senegalês Doudou Thiam em 1967 e uma segunda referência ao arcebispo de Argel, o Cardinal Duval, vide F Ouguergouz The African Charter of Human and People’s Rights: a comprehensive agenda for human dignity and sustainable democracy in Africa (2003) 298; e também no mesmo sentido: C Baldwin & C Morel Group rights’ in M Evans & R Murray (eds) The African Charter on Human and Peoples’ Rights: the system in practice 1986-2006 (2008) 270; F Viljoen International human rights law in Africa (2012) 226.

11. Mbaye (n 10) 515.

12. Mbaye (n 10) 529.

13. S Marks ‘Emerging human rights: a new generation for the 1980s’ (1981) 33 Rutgers Law Review (1981) 435-452; P Alston ‘A third generation of solidarity rights: progressive developments of obfuscation of international human rights law’ (1982) 29 3 Netherlands International Law Review 307-322; J Donnelley ‘In search of the unicorn. The jurisprudence and politics of the right to development’ (1985) 15 California Western International Law Journal 473-509.

14. K Mickelson, ‘Rhetoric and rage: third world voices in international legal discourse’ (1998) 16 2 Wisconsin International Law Journal 376.

15. K Mbaye ‘Le droit au développement’ in René-Jean Dupuy (ed) Workshop on the right to development at the international level: workshop the Hague 16-18 October 1979 (1979) 74. Esta tese já havia sido mencionada na sua aula inaugural vide supra nota de rodapé n 10.

16. Mbaye (n 15) 74.

17. Mbaye (n 15) 74-75.

18. G Abi-Saab ‘The legal formulation of a right to development: subjects and content’ in René-Jean Dupuy (ed) Workshop on the right to development at the international level: workshop the Hague 16-18 October 1979 (1979).

19. No entanto, segundo Ouguergouz, apesar de não existir um instrumento vinculativo que imponha o dever a todos os Estados, o n. º2 do artigo 22.º diz respeito aos Estados em geral e não apenas aos que fazem parte da Carta Africana, consequentemente a responsabilidade de implementar o direito ao desenvolvimento recai sobre a comunidade internacional e não apenas sobre os Estados-Parte da Carta Africana. Vide, Ouguergouz (n 10) 308-9.

20. Mbaye (n 15) 77; Mbaye (n 3) 208.

21. Viljoen (n 10) 226.

22. O paragrafo 8.º do preâmbulo salienta o fato de que, para o futuro, é essencial dedicar uma particular atenção ao direito ao desenvolvimento; que os direitos civis e políticos são indissociáveis dos direitos económicos, sociais e culturais, tanto na sua conceção como na sua universalidade, e que a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais garante o gozo dos direitos civis e políticos.’ Através desta formulação, a Carta Africana procedeu a uma rutura com os paradigmas anteriores de Direito Internacional e reconheceu, inter alia, a indissociabilidade entre os Diretos Civis e Políticos e os Direitos, Económicos, Sociais e Culturais e simultaneamente estabeleceu o desenvolvimento como um direito humano.

23. Viljoen (n 10) 226; K Mbaye (n 3) 185.

24. Ouguergouz (n 10) 307.

25. CC Ngang et al ‘Introduction: the right to development in broad perspective’ in CC Ngang et al (eds) Perspectives on the right to development (2018) 2.

26. Ngang et al (n 25) 2-3.

27. A/RES/41/128, adotada pela resolução 41/128 da Assembleia das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986. Pode-se encontrar uma tradução portuguesa no http://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/decl-dtodesenvolvimento.pdf (consultado no dia 31 julho 2019).

28. Como se verá mais adiante, a própria Comissão tem recorrido à DDD para esclarecer o conteúdo do direito ao desenvolvimento. Ademais, Ouguergouz também defende que se pode recorrer aos instrumentos das Nações Unidas para esclarecer o conteúdo deste direito. Vide Ouguergouz (n 10) 307.

29. Doravante a Comissão.

30. Society Justice Initiative v Côte d´Ivoire, Comunicação n.º 318/06, Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, 38.º Relatório de Atividades (2015), para. 181.

31. n 30, para 183.

32. Mbaye (n 3) 185.

33. Ouguergouz (n 10)303-6; Viljoen (n 10) 226.

34. Artigo 22(1) da Carta Africana

35. Sudan Human Rights Organisation & Another v Sudan (2009) AHRLR 153 (ACHPR 2009) para 218.

36. n 30, para 183.

37. Viljoen (n 10) 226.

38. E Durojaye et al ‘Access to justice as a mechanism for the enforcement of the right to development in Africa’ in CC Ngang et al (eds) Perspectives on the right to development (2018) 65.

39. n 30, para 183.

40. Mbaye (n 3) 187.

41. A Baldé O sistema Africano de direitos humanos e a experiência dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (UCP: 2017) 75-76.

42. A/RES/41/128, Artigo 2(1) e também o artigo 9(1).

43. Democratic Republic of the Congo v Burundi, Rwanda and Uganda (2004) AHRLR 19 (ACHPR 2003). Para uma tradução da decisão para português vide http://caselaw.ihrda.org/pt/doc/227.99/view/pt/#merits (consultado 7 agosto 2019).

44. Para 95.

45. Para 93.

46. A Comissão consolidou as duas comunicações durante a 39.ª sessão ordinária; vide (n 47) para 33.

47. Para 224.

48. Para 124. Para mais detalhe sobre a arguição dos queixosos, vide a petição inicial, em particular parágrafos 69 e seguintes, apresentada à Comissão e disponível https://www.escr-net.org/sites/default/files/Sudan_Petition_%28Main%29.pdf (consultado 7/08/2019). Os queixosos arguiram que houve violação implícita destes direitos, por virtude de o Governo do Sudão, por um lado ‘não ter respeitado o direito à alimentação adequada e o direito à água sendo cúmplice de saques e destruição de alimentos, plantações e gado, bem como envenenamento de poços’ e por outro lado ‘por não ter protegido os moradores dessas comunidades de pilhagem, destruição de alimentos, cultura e gado, bem como envenenamento de poços’ (in para. 87 da petição inicial).

49. Para 224.

50. Centre for Minority Rights Development and Others v Kenya (2009) AHRLR 75 (ACHPR 2009). A versão portuguesa da mesma pode ser consultada na http://caselaw.ihrda.org/pt/doc/276.03/view/pt/ (consultado 7 agosto 2019)

51. Para 125.

52. Para 135.

53. Para 277.

54. Para 298.

55. n 30.

56. Vide a submissão adicional da demandante disponível no https://www.justice initiative.org/uploads/017155cd-1795-4a0a-81bf-b3558ca89509/admissibility-submission-20090514.pdf (consultado 7 agosto 2019).

57. Para 76.

58. Para 185.

59. Para 186.

60. Institute for Human Rights and Development in Africa and Others v Democratic Republic of Congo, Comunicação n. º 393/10, Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, 41. º Relatório de Atividade (2016).

61. Para 92.

62. Para 93.

63. Para 146.

64. Para 147.

65. African Commission on Human and Peoples’ Rights v Kenya (2017) Application 6/2012.

66. Para 202.

67. Paras 207-210.

68. n 50, para 277.

69. n 60, para 146.

70. Para uma consulta de todas as constituições dos PALOP em vigor vide JB Gouveia As Constituições dos Estados de Língua Portuguesa (2014) 4.ªed.

71. Gouveia (n 70) 28ss.

72. Estas mudanças para regimes democráticos não é, contudo, um fenómeno exclusivo dos PALOP, tendo acontecido um pouco por toda a África na designada ‘terceira onda de democratização’ e resultaram no que Fombad designou de ‘uma fervorosa produção de constituições’ vide CM Fombad ‘The evolution of modern African constititions: a retrospective perspective’ in CM Fombad (ed) The separation of powers in African constitutionalism (2016) 13.

73. L Fonseca ‘Apresentação’ in FAA Mourão et al (eds) As Constituições dos Países de Língua Portuguesa Comentadas Vol. 91 (Edições do Senado Federal: 2008) 11. Importa referenciar aqui que para além dos PALOP fazem parte desta comunidade de língua portuguesa Brasil, Portugal e Timor Leste.

74. Para uma contextualização breve do contexto político-social durante a adoção destas constituições vide JB Gouveia (n 70); JB Gouveia e FP Coutinho (coordenação) O Direito Internacional Público nos Direitos de Língua Portuguesa (2018)

75. O artigo 7(3) da Constituição Portuguesa dispõe: ‘Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas s formas de opressão.’

76. O texto constitucional foi revisto em 1993 e aprovado em 1996.

77. Aprovada em fevereiro de 2010.

78. Aprovada em setembro de 1992 (com as alterações introduzidas pela Lei Constitucional n. º1/VII//2010, Boletim Oficial da República de Cabo verde, I Série, n. º17, de 3 de maio de 2010).

79. Aprovada em novembro de 2004.

80. Aprovada em 1990.

81. Para uma análise detalhada do direito ao desenvolvimento no contexto angolano vide JA Francisco ´O desenvolvimento sustentável: um desafio na era global´ (2017) LUCERE Revista Académica da Universidade Católica de Angola, disponível https://ilpi.org/wp-content/uploads/2017/05/Summary.-Francisco-08.03.017.pdf (consultado 10/8/2019) e JA Francisco ‘El derecho al desarrollo y desarrollo humano sostenible: um análisis de la realidade em Angola’, manuscrito inédito de mestrado, Universidade de Valência, 2016.

82. Artigo 1(4).

83. Artigo 11(d).

84. Artigo 11(h).

85. De acordo com apesar do legislador constitucional guineense consagrar os direitos económicos, sociais e culturais ‘realisticamente, o art. 58 impõe ao Estado a tarefa de criação das condições necessárias à sua realização conforme as condições ‘de desenvolvimento do país’ A Duarte Silva ‘O Constitucionalismo da Guiné-Bissau’ in FAA Mourão et al (eds) As Constituições dos Países de Língua Portuguesa Comentadas Vol. 91 (2008) 485.

86. Como salienta João Espírito Santo ‘... o investimento estrangeiro não está garantido em termos absolutos, estando sujeito à limitação da sua relevância para o desenvolvimento económico e social do país...’ João Espírito Santo ‘Artigo 13.’ in C Monteiro et al Constituição da República da Guiné-Bissau Anotada (Centro de Estudos e Apoio às Reformas Legislativas da Faculdade de Direito de Bissau: 2019) 42.

87. Gouveia (n 70) 49

88. Sobre a definição de direitos fundamentais vide, entre outros, JM Alexandrino Direitos Fundamentais: introdução Geral (Principia: 2007) 16; J Miranda Direitos Fundamentais 2.ªedição (Almedina: 2018) 11e ss.; JB Gouveia Direito Constitucional de Moçambique (2015) 297 e ss. e JEM Machado et al Direito Constitucional Angolano 4.ª edição (2017) 138-9.

89. JM Alexandrino (n 88) 35 (sublinhado do autor).

90. J Miranda (n 88) 14.

91. Incluindo por exemplo o direito ao desenvolvimento com consagração expressa e vinculativa através da Carta Africana de que os PALOP são signatários.

92. J Miranda Curso de direito constitucional: estado e constitucionalismo, constituição, direitos fundamentais (2016) 260.

93. Alexandrino (n 88) 181.

94. Gouveia (n 88) 49.

95. O n. º1 do artigo 26.º da CRA estipula ‘os direitos fundamentais estabelecidos na presente Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e regras aplicáveis de direito internacional.’ O artigo 17.º da CRCV dispõe que ‘as leis ou convenções internacionais poderão consagrar direitos, liberdades e garantias não previstos na Constituição.’ O n.º do artigo 29.º da CRGB dispõe que ‘os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das demais leis da República e das regras aplicáveis de direito internacional.’ A magna carta moçambicana que segundo Bacelar Gouveia é pioneira na consagração de direitos fundamentais sob uma perspetiva internacionalista - estipula no seu 41.º da CRM estipula que ‘os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis.’ (vide JB Gouveia (supra n.º109) 315). Finalmente, o n.º do artigo 18.º da CRSTP que ‘os direitos consagrados nesta Constituição não excluem quaisquer que sejam previstos nas leis ou em regras de direitos internacionais’.

96. Sobre os direitos fundamentais em sentido material no contexto dos PALOP, vide, inter alia, MJ Carapêto ‘Direito internacional público na ordem jurídica de Angola’ in JB Gouveia e FP Coutinho (coordenação) O Direito Internacional Público nos Direitos de Língua Portuguesa (CEDIS: 2018) 30; JEM Machado et al (n 88) 155-6; JB Gouveia (n 70) 314-5; J Francisco (n 81) 121 e ss.; JP Delgado ´O direito internacional público no direito Cabo-Verdiano´ JB Gouveia e FP Coutinho (coordenação) O Direito Internacional Público nos Direitos de Língua Portuguesa (CEDIS: 2018) 121, nota de rodapé 129. Importa ainda salientar que de acordo com Pina Delgado o Tribunal Constitucional Cabo-verdiano teve a oportunidade de se pronunciar sobre esta matéria e concluiu pela aplicação de quatro requisitos para a aplicação do art.º17.º da CRCV, designadamente ‘a) a ausência de previsão na Constituição; b) natureza do direito, liberdade ou de garantia; c) previsão de um tratado do qual Cabo Verde seja parte ou alternativamente em lei; d) materialidade constitucional’.

97. Defendida na subsecção precedente.

98. Ouguergouz (n 10) 319

99. Gouveia, Manual de Direito Internacional Público (2013), 3.ª ed., 442; J Miranda Curso de Direito Internacional Público (2016), 6ª ed., 147.

100. FF Oliveira ‘A aplicação do direito internacional público na Guiné-Bissau’ in JB Gouveia e FP Coutinho (coordenação) O Direito Internacional Público nos Direitos de Língua Portuguesa (2018) 177; P Rosa Có, A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos: entre a Tradição e a Modernidade. Lisboa: policopiado, 2007, tese de mestrado apresentada na Faculdade de Direito de Lisboa.

101 O artigo 26.º, n.º da CRA dispõe ‘o Direito Internacional geral ou comum, recebido nos termos da presente Constituição, faz parte integrante da ordem jurídica angolana.’ O artigo 12.º, n.º da CRCV prevê ‘O Direito Internacional geral ou comum faz parte integrante da ordem jurídica cabo-verdiana.’ O artigo 18.º, n.º 1 da CRM estipula ‘Os tratados e acordos internacionais, validamente aprovados e ratificados, vigoram na ordem jurídica moçambicana, após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado de

101. Moçambique.’ O artigo 13.º n. º1 da CRSTP estipula ‘as normas e os princípios de Direito Internacional geral ou comum fazem parte integrante do Direito são-tomense.’ No entanto, apesar de a Constituição da Guiné-Bissau de acordo com o Pereira Coutinho primar pelo ‘mutismo,’ o Oliveira defende que ‘na falta de preceito de sentido oposto, é de concluir que o legislador aceita a receção automática do Direito Internacional Público comum ou geral.’ (vide: FP Coutinho ‘Relatório síntese: o direito internacional público nos direitos de língua Portuguesa’ in JB Gouveia e FP Coutinho (coordenação) O direito internacional público nos direitos de língua Portuguesa (2018) 17 e Oliveira (n 100) 177)

102. Gouveia (n 99) 448 (parênteses nosso).

103. Fombad (n 72) 42; Gouveia (n 99) 449.

104. Carapêto (n 96) 30.

105. FP Coutinho ‘O Direito Internacional na Ordem Jurídica Moçambicana’ in JB Gouveia e FP Coutinho (coordenação) O direito internacional público nos direitos de língua Portuguesa (2018) 239.

106. Assim, o no 3 do artigo 17.º da CRCV estabelece que ‘as normas constitucionais e legais relativas aos direitos fundamentais devem ser interpretadas e integradas de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.’ O artigo 29.º n.º 2 da CRGB estipula que ‘os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.’ O no 2 do artigo 18.º da CSTP dispõe que ‘os preceitos relativos a direitos fundamentais são interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.’

107. Sobre os deveres aos Estados-Parte que emanam da Carta Africana, vide, Balde (n 41) 144 e ss.

108. Fombad (n 72) 13.