Rui Garrido
 PhD (Lisbon); Master of Law (Braga); Assistant Professor UPT Portucalense University
  This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.
  https://orcid.org/0000-0002-2585-2571


 Edition: AHRY Volume 7
 Pages: 397-417
 Citation:  R Garrido ‘A admissão de Marrocos como Estado-membro da União Africana no Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos: uma oportunidade ou um fracasso para o direito de autoderminação dos povos?’ (2023) 7 Anuário Africano dos Direitos Humanos 397-417
 http://doi.org/10.29053/2523-1367/2023/v7a18
 Download article in PDF


RESUMO

No caso Bernard Anbataayela Mornah v Benin, Burkina Faso, Côte d’Ivoire, Ghana, Mali, Malawi, Tanzania and Tunisia, decidido pelo Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos (Tribunal Africano) em 2022, o requerente alegou que os Estados demandados violaram, entre outros, o direito de autodeterminação da República Democrática Árabe Saharauí quando estes Estados aceitaram, na cimeira de chefes de Estado e de Governo de julho de 2017, a admissão do Reino de Marrocos como membro da União Africana. Este caso configurou uma oportunidade para o Tribunal Africano se pronunciar sobre um dos direitos mais controversos da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. A decisão do Tribunal, contudo, foi no sentido de que os Estados não violaram o direito de autodeterminação. Apesar disto, o Tribunal clarificou algumas questões controversas relativas à questão do povo Saharauí. Muito embora o caso não tenha sido sobre a violação do direito de autodeterminação por parte de Marrocos, o Tribunal entendeu que a ocupação do território Saharauí por Marrocos constitui uma violação do direito de autodeterminação dos povos. Este comentário procura, assim, ir além desta decisão judicial e colocá-la em diálogo com outras decisões internacionais acerca desta controvérsia. Na conclusão, será feita uma avaliação das potencialidades que esta decisão pode ter para uma resolução da disputa entre o Sahara Ocidental e o Reino de Marrocos.

TITRE ET RÉSUMÉ EN FRANÇAIS 

L’admission du Maroc comme État member de l’Union Africaine à la Cour africaine des droits de l’homme et des peuples: une opportunité ou un échec du droit des peuples à l’autodétermination?

RÉSUMÉ

Dans l’affaire Bernard Anbataayela Mornah c. Bénin, Burkina Faso, Côte d’Ivoire, Ghana, Mali, Malawi, Tanzanie et Tunisie, tranchée par la Cour africaine des droits de l’homme et des peuples en 2022, le requérant a allégué que le Les États répondants ont violé, entre autres, le droit à l’autodétermination de la République arabe sahraouie démocratique lorsque ces États ont accepté, lors du sommet des chefs d’État et de gouvernement en juillet 2017, l’admission du Royaume du Maroc comme membre de l’Union africaine. Cette affaire a été l’occasion pour la Cour africaine de se prononcer sur l’un des droits les plus controversés de la Charte africaine des droits de l’homme et des peuples. La décision de la Cour a toutefois été que les États n’avaient pas violé le droit à l’autodétermination. Malgré cela, la Cour a clarifié certaines questions controversées liées à la question du peuple sahraoui. Même si l’affaire ne portait pas sur la violation du droit à l’autodétermination par le Maroc, la Cour a compris que l’occupation du territoire sahraoui par le Maroc constitue une violation du droit à l’autodétermination des peuples. Ce commentaire va au-delà de cet arrêt afin de le mettre en dialogue avec d’autres décisions internationales sur cette controverse. En conclusion, une évaluation est faite du potentiel que cette décision peut avoir pour une résolution du différend entre le Sahara Occidental et le Royaume du Maroc.

TITLE AND ABSTRACT IN ENGLISH

The admission of Morocco as African Union member state at the African Court on Human and Peoples’ Rights: an opportunity or a failure for the peoples’ right to self-determination?

ABSTRACT

In the case of Bernard Anbataayela Mornah v Benin, Burkina Faso, Côte d’Ivoire, Ghana, Mali, Malawi, Tanzania and Tunisia, decided by the African Court on Human and Peoples’ Rights (African Court) in 2022, the applicant alleged that the responding states violated, among other rights, the right of self-determination of the Saharawi Arab Democratic Republic when these states accepted, at the summit of Heads of State and Government in July 2017, to admit the Kingdom of Morocco as a member of the African Union. This case provided an opportunity for the African Court to rule on one of the most controversial rights in the African Charter on Human and Peoples’ Rights - the right to self-determination. The Court’s decision, however, was that the states did not violate the right of self-determination. Despite this, the Court clarified some controversial issues relating to the issue of the Saharawi people. Even though the case was not about the violation of the right of self-determination by Morocco, the Court understood that the occupation of Saharawi territory by Morocco constitutes a violation of Sahrawi people’s right to self-determination. This commentary therefore seeks to go beyond this judicial decision and puts it in conversation with other international decisions dealing with this controversy. In conclusion, an assessment is made of the potential that this decision may have for a resolution of the dispute between Western Sahara and the Kingdom of Morocco.

PALAVRAS-CHAVE: Tribunal Africano dos Direitos Humanos, direito de autodeterminação dos Povos, Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos; Sahara Ocidental, Marrocos

íNDICE:

1 Introdução 

 2 Do princípio de autodeterminação a um direito de autodeterminação dos povos no direito internacional 

 2.1 O direito de autodeterminação dos povos na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos

 2.2 A autodeterminação do povo Saharauí 

 3 O caso Bernard Mornah v Benim e outros 

 4 Que impacto tem esta decisão na efetivação do direito de autodeterminação do povo Saharauí? 

 5 Conclusão 

1 INTRODUÇÃO

A 22 de setembro de 2022 o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos (Tribunal Africano) decidiu o caso Bernard Anbataayela Mornah v Republic of Benin, Burkina Faso, Republic of Côte d’Ivoire, Republic of Ghana, Republic of Mali, Republic of Malawi, United Republic of Tanzania and Republic of Tunisia (Bernard Mornah v Benim e Outros), relativo à alegada violação do direito do povo saharauí à sua autodeterminação pelo facto de, entre outros, estes terem aceitado a admissão do Reino de Marrocos como Estado-membro da União Africana. A autodeterminação do território do Sahara Ocidental, parcialmente ocupado, desde 1975, por Marrocos, tem sido um dos assuntos que tem dominado o panorama da política internacional africana nas últimas décadas.

Este acórdão tem particular interesse uma vez que se debruça sobre a questão controversa da ocupação do território de um Estado-Membro da União Africana, constituindo, porventura, o único caso efetivo de ocupação colonial por parte de um Estado africano.1 Distingue-se, por isso, das reivindicações de autodeterminação de vários outros ‘povos’ encurralados no território de Estados cujas fronteiras foram definidas no século XIX.

A queixa diz respeito à alegada violação do artigo 20.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Carta Africana) por parte de um conjunto de Estados-Partes pelo facto de terem admitido o Reino de Marrocos como Estado-Membro da União Africana. Marrocos foi membro originário da Organização da Unidade Africana (OUA) - tendo inclusive, liderado um dos grupos de Estados que tinham um projeto de maior integridade regional para uma África independente -,2 mas entrou em colisão com a OUA aquando da admissão da República Democrática do Sahara Árabe, em 1982. Os interesses marroquinos e a sua reivindicação histórica de soberania sobre o território saharauí fizeram Marrocos voltar as costas às organizações regionais africanos por mais de 30 anos. Em janeiro de 2017, tornar-se-ia o quinquagésimo quinto Estado-Membro da União Africana.

Este comentário procura analisar a decisão Bernard Mornah v Benim e Outros sob um prisma do seu contributo para uma resolução da controversa ocupação de Marrocos do território do Sahara Ocidental.3 A metodologia adotada é qualitativa assentando na análise de fontes primárias (desde logo, o caso em apreço), assim como outras fontes secundárias que dão lastro para uma reflexão crítica do potencial deste caso. O comentário está estruturado em três partes essenciais. Na primeira será explorado o direito de autodeterminação no direito internacional e a sua consagração no Direito da União Africana. Neste último, será ainda explorada, ainda que brevemente, a situação de ocupação do Sahara Ocidental por parte de Marrocos, focando-se em alguns eventos históricos chave. Num segundo momento, será analisado o acórdão Bernard Mornah v Benim e Outros, procurando extrair os pontos mais relevantes para a efetivação do direito de autodeterminação. Uma última parte discute os impactos e as potencialidades desta decisão para a resolução deste diferendo.

2 DO PRINCíPIO DE AUTODETERMINAÇÃO A UM DIREITO DE AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS NO DIREITO INTERNACIONAL

A autodeterminação dos povos assume um papel de especial relevância para o direito internacional contemporâneo,4 na medida em que contribuiu, de forma expressiva, para que o mundo pós-II Guerra Mundial testemunhasse, em resultado da descolonização europeia, o surgimento de novos sujeitos estaduais na esfera internacional. Este é um princípio ‘disputável e maleável’,5 que reflete as lutas contra a ocupação por potências estrangeiras - como foi o caso dos povos africanos à presença europeia desde o início da expansão marítima dos europeus -, mas também se estruturou, mais recentemente, em torno da ideia de nacionalismo e tem raízes na declaração de independência americana ou até na revolução francesa.

A consagração deste princípio do direito internacional foi progressivamente estruturada em dois momentos essenciais: o primeiro momento dá-se com o fim da I Guerra Mundial, com a criação de novos Estados no continente europeu, e; o segundo momento dá-se nas décadas de 1950 e 1960 do século XX, com a descolonização europeia de África (sobretudo).6 Neste sentido, a autodeterminação estruturou-se como um princípio basilar do direito internacional, tendo ocupado grande parte da atenção da Organização das Nações Unidas da década de 1960 do século XX.

A ideia de autodeterminação radica numa relação antagónica entre um Estado e um povo, que, como entende Azeredo Lopes, apresenta uma relação intrínseca, que é ‘a referência, direta ou não, a elementos identitários’ de um grupo que procura exercer a sua autodeterminação.7 Esta ideia já havia marcado o continente europeu no pós-I Guerra Mundial, quando se assistiu à criação de vários Estados e à unificação de outros assentes na ideia de ‘um Estado para cada nação’.8 Deve aqui entender-se a nação em sentido amplo como correspondendo a uma unidade étnico-cultural, que se distingue de Estado, que traduz uma unidade política.9

É a Carta das Nações Unidas que consagra este princípio basilar, como uma ‘construção jurídico-política’,10 de alcance muito limitado. Assim, reza o seu artigo 1.º, n.º 2 que é objetivo da Organização das Nações Unidas (ONU) as ‘relações de amizade entre as nações baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal’. Este princípio é posteriormente reafirmado no artigo 55.º da Carta da ONU. Este tratado não explora, nem define, no que se traduz a autodeterminação dos povos, o que, no entender de Aurora Santos, ‘a ideia de autodeterminação integrada na Carta dificilmente podia significar, como mais tarde viria a acontecer, a obrigação das potências coloniais permitirem que as suas colónias decidissem o seu próprio destino’.11 Aliás, importa referir que a ONU, desde muito cedo, centrou a sua política na consagração dos direitos humanos individuais, protegendo os indivíduos dos abusos e atrocidades dos Estados. Este caminho foi muito distinto daquele trilhado pela sua antecessora, a Sociedade das Nações, que pouco ou nada desbravou na consagração de direitos individuais, mas que teve uma iniciativa muito relevante na proteção de grupos minoritários.12 É disso exemplo o Tratado das Minorias Polacas, assinado em Versalhes a 28 de junho de 1919, que procurou regularizar a situação de vários grupos minoritários nacionais, integrando-os todos na Polónia resultante da I Guerra Mundial. Em todo o caso, a Sociedade das Nações não arriscou a traduzir esta proteção no reconhecimento de um direito de secessão por parte de grupos minoritários, o que se afiguraria um problema para vários Estados europeus construídos juridicamente sobre várias nações (como, por exemplo, o Reino Unido ou a Espanha).

No caso da ONU, a limitação no reconhecimento de um direito dos povos à autodeterminação, em particular, na sua tradução como o direito de secessão, sustentou-se no receio de uma anarquia internacional, com reivindicações de independência no coração dos centros de poder, sobretudo da Europa.13 Por outro lado, o processo de redação da Carta deixou a autodeterminação como um princípio ambíguo ao qual os seus redatores não puderam (ou quiseram) dar uma definição. Isto porque, como sustenta Helen Quane, em 1945, entendia-se por secessão as demandas de libertação dos povos colonizados e as suas legítimas aspirações de independência.14

Assim, só mais tarde e por força das algumas resoluções adotadas no quadro da Assembleia Geral da ONU centradas da experiência colonial europeia - em especial, no caso da ocupação colonial portuguesa - é que a autodeterminação se efetivou enquanto um direito inalienável para os povos. É disso exemplo a Resolução 1514 (Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e aos Povos Coloniais), de 15 de dezembro de 1960, cujo ponto 2 afirma que ‘All peoples have the right to self-determination; by virtue of that right they freely determine their political status and freely pursue their economic, social and cultural development’.15 Os povos previstos na Resolução 1514 são os povos coloniais, destinatários diretos do direito de autodeterminação.16 Mais ainda, a resolução não determina a forma como os povos coloniais devem exercer o seu direito de autodeterminação, mas afirma a incompatibilidade desse exercício com o Direito Internacional quando o mesmo se traduz na disrupção total ou parcial da unidade e integridade de um Estado. Ou seja, a Resolução 1514 aponta para que o critério territorial seja determinante para o exercício da autodeterminação dos povos.17

Esta metamorfose foi essencial para a consagração do direito de autodeterminação no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966. Ainda que a versão em língua portuguesa não replique, exatamente, as mesmas palavras que a versão em língua inglesa, o artigo 1.º, n.º 1 determina que ‘Todos os povos têm o direito a dispor deles mesmos. Em virtude deste direito, eles determinam livremente o seu estatuto político e dedicam-se livremente ao seu desenvolvimento económico, social e cultural’.18 Esta formulação viria a influenciar as negociações de outros tratados de direitos humanos, fertilizando neles a ideia de um direito dos povos à autodeterminação. quais É disto exemplo a Carta Africana, adotada pela Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Organização de Unidade Africana em 1981. A autodeterminação dos povos estava, desta forma, consolidada como um direito coletivo, essencial e fundamental.

Mas em que se traduz um direito dos povos à autodeterminação? A natureza jurídica deste direito é complexa, em especial por entender uma dimensão externa e outra interna, as quais foram sendo posteriormente densificadas pela jurisprudência. O Direito Internacional é muito claro em proibir a secessão como forma de autodeterminação dos povos, sobretudo àqueles que não vivam em situação de opressão colonial, pelo que não pode ser atribuída à autodeterminação um reconhecimento implícito de um direito de um grupo de se tornar independente de determinado Estado.19 No entanto, a doutrina tem convergido no sentido de reconhecer ao direito de autodeterminação natureza jus cogens, pelo que a violação desta norma constitui um facto internacionalmente ilícito. Como escreve Juan Soroeta Liceras, ‘hoy es admitido de forma mayoritaria por la Doctrina internacionalista que entre las características principales del derecho a la libre determinación de los pueblos se encuentra su carácter de ius cogens, por lo que su violación constituye un crimen internacional’.20 Assim, estamos perante uma norma que tem um caráter imperativo e que obriga todos os Estados ao seu cumprimento. Neste sentido aponta a Resolução 2621 (1970) da Assembleia Geral da ONU, que reafirma a continuação do colonialismo em todas as suas formas como uma violação da Carta das Nações Unidas.

2.1 O direito de autodeterminação dos povos na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos

A codificação do direito de autodeterminação na Carta Africana é apenas um dos aspectos pelo quais este tratado regional de direitos humanos assume uma importância central na densificação do direito internacional dos direitos humanos. Esta insere-se nos direitos coletivos previstos na Carta Africana, que integra um conjunto de direitos que protegem a coletividade, em articulação com a proteção conferida ao individuo.21 O legislador africano optou, na consagração do direito de autodeterminação, por codificar este direito em estreita articulação com a existência de um povo - que será o titular desse direito - e a sua preservação. Na prática, são dois direitos inter-relacionais.22 Assim, o artigo 20.º da Carta Africana consagra o direito dos povos à sua existência e à autodeterminação.

No que diz respeito ao direito à existência, o legislador procurou proteger os povos de situações de gravidade tal, que no limite, poderiam levar ao seu extermínio. Em particular, como observa Aua Baldé, o direito à existência implica diretamente a proibição do genocídio.23 No que concerne à questão da autodeterminação, a Carta Africana prescreve que todo ‘o povo tem um direito imprescritível e inalienável à autodeterminação’.24 O legislador africano enrobusteceu este direito, na medida em que o reconhece como ‘imprescritível e inalienável’, garantindo assim que nenhum povo, em situação alguma, pode ser privado do seu gozo.

Na garantia do direito de existência e de autodeterminação, o legislador africano conferiu ainda aos povos - em especial, aqueles que se encontram sob domínio colonial ou sob opressão - o ‘direito de se libertar do seu estado de dominação recorrendo a todos os meios reconhecidos pela comunidade internacional’.25 Teria em mente dois cenários da história africana: em primeiro lugar, a recente libertação colonial dos territórios outrora colónias portuguesas - especialmente Angola e Guiné-Bissau - que travaram uma guerra de libertação colonial que durou mais de uma década (1963 até 1974), tendo a Guiné-Bissau declarado unilateralmente a independência a 23 de setembro de 1973 e reconhecida pela Assembleia Geral da ONU em várias das suas resoluções, e; em segundo lugar, a União Sul-Africana, já com um regime segregacionista vigente. A formulação adotada pelo legislador tem animado alguma doutrina que se interroga se este não teria em mente o recurso à força para a libertação do jugo colonial.26 Aliás, neste sentido, sustentam Catherine Maia e Robert Kolb que, nos casos de ocupação ou opressão seria admissível a autodeterminação externa, isto é, a secessão dos territórios.27

Por último, o artigo 20.º da Carta Africana prevê, no seu número 3, que os povos sob ocupação têm o ‘direito à assistência’ por parte dos demais Estados-Partes à mesma, assistência essa com a finalidade de libertação da dominação estrangeira. O legislador africano codifica, desta forma, o direito de autodeterminação como um direito complexo e composto, que se traduz na titularidade desse direito, mas também de outros direitos correlatos que concorrem para o efetivo exercício do direito de autodeterminação. No caso, o direito de assistência não parece criar uma obrigação de assistência a um Estado ocupado. No entanto, como bem observa Aurora Santos, este direito de assistência traduz um princípio de solidariedade entre os Estados-Partes da Carta Africana.28

A questão que se impõe é a de saber o que constitui um povo na letra e no espírito da Carta Africana? Ou seja, quem são os titulares destes direitos previstos pela Carta Africana?

A noção de povo continua, na atualidade, a dividir a doutrina. O Direito Internacional tem apontado para algumas interpretações deste conceito, desde logo a população de um Estado - muito embora a prática, inclusive em África, nos desafie este entendimento, com a construção de Estados multinacionais - mas também a população de uma colónia, ou ainda indivíduos que partilham entre si uma língua, uma etnia ou uma cultura - aproximando-os de um conceito de Nação.29

Nos trabalhos preparatórios da Carta Africana, este conceito não foi devidamente conceptualizado por uma opção estratégica dos seus redatores. Desta forma, não apenas o legislador africano alinhou com a ambiguidade presente na Carta da ONU - que também não definiu o que deve ser entendido por um Povo -, como também procurou evitar a controvérsia,30 o que se compreende atendendo que as fronteiras coloniais foram mantidas após a independência. A implementação do princípio uti possidetis juris foi uma opção política da OUA, que consagrou como princípio fundamental do respeito pela integridade territorial dos seus Estados-Membros.31 Por outro lado, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, quando chamada a interpretar a Carta Africana nesta matéria, tergiversou esta questão.

Na Comunicação Congrès du peuple katangais c. DRC (75/92), a Comissão sustenta que o direito de autodeterminação deve ser exercido da forma de ‘independence, self-government, local government, federalism, confederalism, unitarism or any other form of relations that accords with the wishes of the people but fully cognisant of other recognised principles such as sovereignty and territorial integrity’.32 O juízo da Comissão é antagónico, uma vez que a independência de um povo derivaria sempre na independência do território o que, por si, violaria a integridade territorial de um Estado. Na Comunicação Antoine Bissaugou v Congo (253/02) a Comissão Africana apenas menciona que a Carta Africana não oferece uma definição conceptual do que deve ser entendido como um povo ao abrigo da Carta Africana, mas que tal remete para um conjunto de ‘direitos de terceira geração cujo reconhecimento constitui a principal característica distintiva da Carta Africana’.33 Esta ideia seria densificada na Comunicação Kevin Mgwanga Gunme et al v Cameroon (266/03), a Comissão sustentou que no contexto da Carta Africana ‘the notion of ‘people’ is closely related to collective rights. Collective rights enumerated under Articles 19 to 24 of the Charter can be exercised by a people, bound together by their historical, traditional, racial, ethnic, cultural, linguistic, religious, ideological, geographical, economic identities and affinities, or other bonds’.34 Apesar desta densificação do que pode ser entendido como um povo ao abrigo da Carta Africana, a Comissão Africana furtou-se da tarefa espinhosa de propor um conceito de contornos mais definidos.

2.2 A autodeterminação do povo Saharauí

O território do Sahara Ocidental foi um protetorado espanhol, definido como tal aquando da Conferência de Berlim, de 1884. Até então, o território era habitado por povos nómadas berberes, essencialmente dedicados à pastorícia. Em 1958, Espanha integrou o território do Sahara como uma das suas províncias, instituindo uma política de fomento das relações comerciais que levou a uma política de sedentarização e assentamento das populações.35 Com a ascensão de Marrocos à sua independência, em 1956, começou também a reivindicação do Reino de Marrocos sobre o território sob administração espanhola. Esta reivindicação assentou num nacionalismo marroquino instigado pelo partido Istiqlal, cujo líder Allal al-Fasi defendeu um Grande Marrocos que se entendia pelo Sahara espanhol, Mauritânia, a parte noroeste do Mali e uma porção significativa do território da Argélia.36 Marrocos procurou articular-se internacionalmente em vários fora, desde a OUA - da qual foi membro fundador em 1963 - até à ONU. No caso da OUA, Marrocos procurou fazer valer o argumento histórico da sua integridade territorial aquando da sua ocupação estrangeira. Ao nível da sua política externa, Marrocos serviu-se de todas as formas para pressionar Espanha a fazer uma transição da administração do território. Espanha foi cedendo e concordou, junto da ONU, em realizar um referendo pela autodeterminação do território. Marrocos contestou veemente a realização de tal referendo e reclamou a resolução desta disputa nas instâncias internacionais.

Neste sentido, em dezembro de 1974 a Assembleia Geral da ONU requereu ao Tribunal Internacional de Justiça um parecer consultivo nesta matéria. Na Resolução 3292 (XXIX) a Assembleia Geral solicitou ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse sobre o estatuto do território do Sahara Ocidental aquando da colonização europeia (em particular, se esse território era terra nullius) e quais os possíveis laços históricos entre o Reino de Marrocos e esse território que sustentassem as reivindicações de soberania do primeiro. A 16 de outubro de 1975, o Tribunal Internacional de Justiça emitiu o seu parecer consultivo. O Tribunal Internacional de Justiça não encontrou fundamento que sustentasse que o território saharauí era terra nullius aquando da colonização europeia, nem tampouco substrato que justificasse os alegados laços históricos e soberania do sultanato de Marrocos e o Sahara. Em resposta, nesse mesmo dia, o rei marroquino, Hassan II, fez um pronunciamento à nação, instando à participação voluntária de 350 000 homens para uma invasão do território do Sahara, o que viria a acontecer a 6 de novembro de 1975, num evento conhecido como a Marcha Verde.37 A 14 de novembro de 1974, Espanha assinou os Acordos de Madrid, transferindo a soberania do Sahara transitoria-mente para a Marrocos, Argélia e Mauritânia.38 Imediatamente, a Frente Popular para la Liberación de Saguia el-Hamra y Río de Oro (Frente Polisario) iniciou uma guerra de guerrilha contra as potenciais ocupantes.39

Feito este brevíssimo enquadramento histórico, importa apenas frisar dois pontos essenciais. Primeiro, a 27 de fevereiro de 1976, foi declarada unilateralmente a República Democrática Árabe Saharauí, que mais tarde, em 1980, viria a procurar o seu reconhecimento internacional pedindo a adesão à OUA como Estado-Membro. Tal viria a acontecer, efetivamente, em 1982. Marrocos contestou esta admissão, fundamentando com desconformidades legais, em especial, que o Sahara não cumpria os preceitos do artigo 4.º da Carta da OUA, que previa a admissão como Estado-Membro qualquer ‘Estado Africano independente e soberano’.40 Perante a recusa da OUA em retroceder na sua decisão, Marrocos retirou-se da mesma em 1984. A República Democrática Árabe Sahaurí manteve-se como Estado-Membro da OUA até à sua extinção e foi Estado-membro originário da União Africana (UA) a partir de 2000.

Em segundo lugar, é importante olhar para a questão central deste diferendo e que é a questão do povo saharauí e dos seus direitos humanos ao abrigo da Carta Africana. A República Democrática Árabe Sahaurí ratificou a Carta Africana em 27 de fevereiro de 1982.41 Desde então, a Comissão debruçou-se, por duas vezes, sobre a questão dos direitos humanos no território do Sahara. Numa resolução de 2000, a Comissão Africana, evocando o artigo 20.º da Carta Africana, reafirmou a necessidade da organização de um referendo para o povo Saharauí se expressar livremente acerca do seu destino.42 Em 2014, a Comissão condenou a violência generalizada perpetrada contra o povo Saharauí e instou a comunidade internacional ao estabelecimento de um mecanismo internacional de direitos humanos com o objetivo de monitorizar a situação de direitos humanos nos territórios ocupados.43

A recente admissão de Marrocos como Estado-Membro da União Africana poderá trazer novos desenvolvimentos nesta matéria, sobretudo se este vier a ratificar a Carta Africana. Numa situação de tal cenário, o Estado marroquino estaria obrigado a cumprir as disposições da Carta, desde logo a proibição de discriminação e de outros tratamentos desumanos que as ONG relatam ser prática quotidiana do território ocupado. É importante observar que, dentre os Estados-Membros da União Africana, apenas o Reino de Marrocos não é Estado-Parte deste tratado de direitos humanos.

3 O CASO BERNARD MORNAH V BENIM E OUTROS

É o facto da admissão, em 2017, do Reino de Marrocos como Estado-Membro da União Africana que está na génese deste caso. O senhor Bernard Mornah (doravante Requerente), de nacionalidade ganesa, presidente de um partido político denominado Convention People’s Party, apresentou uma queixa junto do Tribunal contra um conjunto de Estados-Parte da Carta Africana- Benim, Burkina Faso, Costa do Marfim, Gana, Mali, Malawi, Tanzânia e Tunísia (doravante Estados demandados) -, por alegada violação de direitos humanos do povo saharauí resultante de os Estados demandados não terem salvaguardado a integridade territorial e a independência da República Democrática Saharauí Árabe ao admitir como Estado-Membro da União Africana uma potência ocupante de parte do território de um dos seus Estados-Membros.

Em respostas, os Estados demandados alegaram que o Tribunal carecia de competência neste caso (ratione materiae, personae, loci e temporis). No que diz respeito à competência material, alegaram os Estados demandados que a disputa diz respeito à interferência nos assuntos internos de outros Estados, e que tal facto não viola nenhum dos direitos determinados pela Carta Africana.44 O Gana alegou que, caso o Tribunal se quisesse pronunciar acerca deste assunto, apenas deveria fazê-lo através de um parecer.45 Sustentou que este litígio apenas dizia respeito à alegada violação do Ato Constitutivo da União Africana e que, na inexistência à época de um Tribunal de Justiça da União Africana, apenas caberia à Conferência de Chefes de Estado e de Governo da UA a apreciação da matéria.46 Na sua análise à admissibilidade do caso, o Tribunal começou por sublinhar que o Direito Internacional é sustentado no consenso dos Estados e que essa natureza consensual em ficar vinculado aos compromissos internacionais é a maior manifestação dessa soberania. Por isso mesmo, os Estados não poderiam evocar a soberania nacional para afastar a jurisdição de um tribunal ao qual voluntariamente se decidiram vincular.47 Mais ainda, entendeu que estão em causa a violação de vários direitos da Carta Africana, sobre os quais o Tribunal tem competência para decidir.48

No que diz respeito à alegada falta de competência ratione personae, os Estados demandados dividiram-se, mas, no essencial, sustentaram que o Requerente carecia de locus standi perante o tribunal, isto é, a procura de remédio nas instâncias internacionais está reservada aos indivíduos que são privados desses direitos, o que não será o caso, uma vez que o Requerente é cidadão ganês.49 A Tanzânia sustentou que o Requerente estava equivocado na parte à qual procurava responsabilidades, uma vez que era a Conferência de Chefes de Estado e de Governo da UA, dotada de personalidade distinta daquela dos seus Estados-Membros, quem deveria ser responsabilizada pela admissão de Marrocos.50 Com este argumento, a Tanzânia procurou a inadmissibilidade do caso, tendo em mente o caso Femi Falana v União Africana, na qual o Tribunal decidiu a inadmissibilidade por a UA não ser parte da Carta Africana. Aliás, o caso Falana foi citado várias vezes no acórdão em apreço. O Tribunal decidiu que tinha competência ratione personae na medida em que todos os Estados eram partes do Protocolo do Tribunal e que o Requerente tinha o direito de submeter petições com base no vertido nos artigos 5.º e 36.º, n.º 6 do mesmo Protocolo.51

Relativamente à alegada ausência de competência ratione temporis do Tribunal, sustentaram os Estados demandados que, muito embora estes sejam Estados-partes da Carta Africana e do Protocolo do Tribunal muito antes da Cimeira da UA que admitiu Marrocos como seu Estado-Membro, o caso deveria ser examinado vis-à-vis aos factos alegados.52 O Tribunal discordou do argumento evocado e afirmou ter jurisdição temporal para apreciar este caso. Por fim, no que à jurisdição territorial diz respeito, os Estados demandados alegaram a ausência de jurisdição do tribunal com base no argumento de que apenas podiam ser responsáveis pelas violações ocorridas nos seus territórios e não fora deles, sob pena de violação do princípio da proibição da interferência nos assuntos internos dos outros Estados.53 Na sua apreciação, o Tribunal destacou aquele que tem sido o desenvolvimento do Direito Internacional, em especial, na responsabilidade extraterritorial e também na erosão da soberania por violações de direitos humanos.54 Observou que o direito de autodeterminação na Carta Africana objetivamente criava uma obrigação para os Estados que ‘extends beyond their nation territories and also applies extraterritorially towards other people whose right to self-determination is yet to be fully respected’.55 Mais adiante, afirmou que, no que concerne à jurisdição territorial, era ‘immaterial whether States Parties breached their obligations by way of commission or omission’.56 Determinou assim que tinha jurisdição territorial, bem como material, pessoal e temporal, pelo que era competente para apreciar o caso em apreço.Foi alegada, pelo Requerente, a violação de vários direitos consagrados em vários tratados adotados no quadro da União Africana. Dentre eles, a violação dos artigos 3.º, 4.º e 23.º do Ato Constitutivo da União Africana, dos artigos 1.º e 2.º da Carta Africana para a Democracia, Eleições e Governação e dos artigos 1.º, 2.º, 7.º, 13.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º e 24.º da Carta Africana.

Ainda no que diz respeito às alegações do requerente, este evocou a contradição na admissão incondicional de Marrocos, mencionando a recusa tanto da OUA como da UA em admitir, como seus membros, Estados que fossem potências coloniais, como foi o caso da África do Sul aquando do regime de apartheid.57 Ou seja, deveria ter sido uma condição prévia à admissão de Marrocos a obrigatoriedade da cessação da ocupação colonial do território do Sahara Ocidental, o que não se verificou.58 Por outro lado, sustentou ainda que a conduta dos Estados demandados violou os princípios plasmados no Ato Constitutivo da União Africana e da Carta Africana, em particular, na obrigação que o artigo 20.º impõe de uma oposição a todas as formas de colonialismo e a garantia de um direito de assistência - que, no entender do Requerente, tal impunha um dever legal de assistir um Estado oprimido de se libertar desse jugo colonial.59

Os Estados demandados, por seu turno, sustentaram a sua posição alegando que não houve qualquer cimeira prévia para discutir a admissão condicional de Marrocos e que a mesma foi votada na Conferência de Chefes de Estado e de Governo da UA com uma larga maioria.60 O Mali destacou que a soberania e a integridade territorial dos Estados são princípios fundamentais, mas que cabia à Conferência de Chefes de Estado e de Governo da UA, e não aos Estados demandados individualmente, a adoção de medidas sancionatórias para um Estado-Membro que violasse esses princípios.61 Neste sentido, destacou os esforços da Conferência para a resolução pacífica desta situação, em concreto, a decisão da Cimeira de 2018 de criação de uma troika, constituída por Chefes de Estado e de Governo e pelo Presidente da Comissão da UA, para trabalhar no sentido de propor soluções pacíficas para este conflito.62

A Tanzânia, por seu turno, afirmou que a admissão de Marrocos como Estado-Membro da UA, na prática, tratou-se de uma ‘readmissão’.63 No entanto, este argumento carece de sustentabilidade jurídica, uma vez que a União Africana não é uma transformação da OUA, mas sim uma organização internacional distinta, criada por um Ato Constitutivo distinto da sua antecessora. Por isto mesmo, em bom rigor, esta questão da readmissão não se aplica.64 Na ótica da Tanzânia, existia uma ausência de ligação causal entre as obrigações dos Estados demandados com a decisão da Cimeira da UA na qual foi votada, por larga maioria, a admissão de Marrocos. Para sustentar este ponto, evocou a personalidade jurídica da União Africana e que esta é distinta da personalidade dos seus Estados-Membros. Por isto mesmo, era à União Africana que caberia tal responsabilidade.65

O Gana, por sua vez, reconhecendo que a situação de ocupação colonial do Sahara Ocidental se tratava de uma questão muito importante à qual urgia dar uma resposta, sustentou que a admissão de Marrocos poderá traduzir-se numa vinculação deste Estado aos princípios e às obrigações determinados pelo Ato Constitutivo da U4nião Africana e tal poder contribuir, de forma positiva, para a resolução pacífica desta controvérsia.66 Defendeu o Gana que o direito de autodeterminação não criava uma obrigação de defender a soberania, a integridade territorial ou a independência do Sahara Ocidental, mas que a admissão de Marrocos lhe criaria a obrigação de defender esses princípios fundamentais da UA.

A República Democrática Árabe Sahaurí e a República das Maurícias foram intervenientes neste caso, evocando, por um lado, que o direito de autodeterminação constitui um direito humano fundamental do Direito Internacional dos Direitos Humanos e que a jurisprudência internacional lhe reconheceu o caráter de norma imperativa do direito internacional e gerador de obrigações erga omnes para todos os Estados.67

Para aferir a possível violação dos direitos humanos do povo saharauí, e depois de ouvidas as partes envolvidas, o Tribunal começou por observar que a petição interposta pelo Requerente assenta no facto de os Estados demandados não se terem oposto à admissão de Marrocos como Estado-membro da União Africana, o que se traduziu no facto continuado de violações sistemáticas dos direitos humanos do povo saharauí, dentre eles o direito de autodeterminação. O Tribunal entendeu existir uma condição excecional que se reflete numa violação posterior de todos os direitos humanos e que era a ocupação do território Saharauí. No entender do Tribunal:

Although the other rights are autonomous by their nature, their violation in the instant case basically flows from the alleged denial of the right to self-determination of the people of Western Sahara. It is the occupation of the SADR and the deprivation of its people of their right to self-determination that have occasioned and facilitated the alleged violations of their other rights, including their right to development, right to disposal of their natural resources, their right to peace and to non-discrimination. In these circumstances, the Court therefore deems it unnecessary to deal with them and thus, limits its determination to the alleged violation of the right to self-determination of the people of the SADR and the putative responsibility of the Respondent States with regard to such violation.68

No entanto, Marrocos não era - e continua a não ser -Estado-Parte da Carta Africana, pelo que o Tribunal não tinha competência para julgar as alegadas violações da Carta Africana perpetradas por este Estado. Restou assim ao Tribunal averiguar a eventual responsabilidade dos Estados demandados nesta matéria. Observou que a Carta da OUA (1963) - e à qual Marrocos esteve juridicamente vinculado por 20 anos - tinha um claro objetivo de erradicação de todas as formas de colonialismo do continente africano. Este objetivo foi sendo sucessivamente densificado com os eventos que marcaram o continente nas últimas décadas de século XX.69 O preâmbulo da Carta Africana, na opinião do Tribunal, demonstrou ser mais um dos elementos que sustentava essa densificação. Partindo desta base jurídica, procurou aferir a natureza da obrigação que o direito de autodeterminação para os Estados, bem como o estatuto do povo saharauí e a responsabilidade dos Estados demandados na alegada violação dos direitos da Carta Africana.

No que respeita às obrigações que emanam do direito de autodeterminação, o Tribunal começou por identificar que direito de autodeterminação impunha obrigações positivas, entendidas como o dever de proteção e promoção deste direito, bem como obrigações negativas, as quais se traduzem num dever de respeito e de se abster de tomar ações que possam ferir o direito de autodeterminação.70 Mais ainda, concordando com o que tinha sido apontado pelo Requerente, o Tribunal destacou que a autodeterminação era uma norma jus cogens, o que se traduz, numa obrigação de respeito por todos os Estados, ou seja, uma obrigação erga omnes.71 Com base no supramencionado, concluiu que o direito de autodeterminação, consagrado no artigo 20.º da Carta Africana ‘confers the right to get assistance on ‘all peoples’ without geographical or temporal limitations’.72

Relativamente à natureza e estatuto do povo saharauí, o Tribunal clarificou que o direito de autodeterminação está intrinsecamente relacionado com a posse de um território, que um determinado povo reivindica como seu. Ou seja, no juízo do Tribunal, não poderia existir a evocação de autodeterminação de um povo na ausência de um território definido, onde esse povo esteja radicado. Observou ainda que a situação do Sahara era reconhecida internacionalmente como uma ocupação.73 Neste sentido, e tendo em consideração o parecer do Tribunal Internacional de Justiça de 1975, bem como as resoluções adotadas no quadro da Assembleia Geral da ONU, o Tribunal ‘stresses that the continued occupation of the SADR by Morocco is incompatible with the right to self-determination of the people of SADR as enshrined in Article 20 of the Charter’.74

Confirmada a violação do artigo 20.º da Carta Africana, o Tribunal debruçou-se sobre a questão central deste caso, isto é, a responsabilidade dos Estados demandados. Esta foi a parte mais complexa da fundamentação do acórdão em análise. Para aferir a responsabilidade dos Estados, o Tribunal recorreu ao Artigos Sobre a Responsabilidade do Estado Por Facto Internacionalmente Ilícito.75 Assim, frisou que um Estado incorre em responsabilidade internacional sempre que se verifique um facto, por ação ou omissão, que constitua uma violação de uma obrigação internacional do Estado, sendo que esse facto deve ser atribuído ao Estado e deve ser gerador de dano ou perda (nexo causal). Sublinhou que, no que respeito o artigo 20.º da Carta Africana, se impõe internacionalmente que os Estados adotem medidas positivas para a realização deste direito, entre as quais, a assistência aos povos colonizados ou oprimidos. Ainda que a votação favorável à entrada de Marrocos na União Africana pudesse ser interpretada como dando legitimidade à ocupação marroquina, o Tribunal centrou a sua atenção na determinação da existência de um facto ilícito que pudesse ser imputado aos Estados demandados e que, pelo qual, estes violassem o artigo 20.º da Carta Africana.76 Neste caso, ainda que os Estados individualmente tivessem a capacidade para adotar medidas no sentido de limitar a entrada de Marrocos, era à Conferência de Chefes de Estado e de Governo que deveria ter sido chamada a, antes da admissão do novo Estado-Membro, determinar medidas condicionais para essa admissão. Por outro lado, o artigo 20.º impunha obrigações internacionais aos Estados, mas não determinava quais eram essas obrigações. Neste sentido, observou o Tribunal que vários Estados demandados evidenciaram o uso de meios diplomáticos para exercer influência no sentido de uma resolução política e pacífica desta controvérsia.77 No seu entender, não podia ser afirmado que os Estados demandados não estavam a cumprir as suas obrigações internacionais ao abrigo da Carta Africana, ainda que o alcance dessas medidas pudesse ser limitado. Por outro lado, entendeu que não existiam evidências que sustentassem o sentido de voto dos Estados demandados, ainda que tal votação em si não constituísse, a priori, uma violação de uma obrigação internacional.78 Por último, no que diz respeito à possível violação do Ato Constitutivo da UA, o Tribunal entendeu que podia haver uma incompatibilidade desta admissão com os princípios plasmados no Ato Constitutivo, mas que tal estava para além da sua jurisdição.79 Com base nestes elementos, concluiu que os Estados demandados não violaram os direitos do povo saharauí, ainda que pudesse existir a responsabilidade internacional que os obrigasse a procurar uma resolução da ocupação marroquina do território do Sahara Ocidental.80

4 QUE IMPACTO TEM ESTA DECISÃO NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO DE AUTODETERMINAÇÃO DO POVO SAHARAUí?

Apesar da decisão do Tribunal no caso Bernard Mornah v Benim e Outros não ter produzido os efeitos pretendidos pelo seu Requerente, esta não deixou de ter um interesse muito relevante para uma possível resolução da ocupação marroquina do Sahara. Esta decisão produzirá ondas de choque quer ao nível jurídico, quer ao nível político.

De um ponto de vista jurídico, a relevância do acórdão Bernard Mornah v Benim e Outros prende-se com o reconhecimento jurídico de que a ocupação marroquina do Sahara é inequivocamente uma violação do direito de autodeterminação do povo Saharauí. Mais ainda, o Tribunal Africano apoiou-se no parecer do Tribunal Internacional de Justiça para reforçar que não existe evidências que sustentem as reivindicações de soberania do território por parte de Marrocos. A entrada de Marrocos na União Africana pode potenciar uma consolidação da jurisprudência do Tribunal Africano de Direitos Humanos e dos Povos nesta matéria, uma vez que o Reino Marroquino fica obrigado, a priori, a respeitar os princípios e objetivos do Ato Constitutivo da UA. Estipula o artigo 3.º alínea h) do Ato Constitutivo da UA que é um dos seus objetivos ‘promover e proteger os direitos do homem e dos povos, em conformidade com a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e outros instrumentos pertinentes relativos aos direitos do homem’, pelo que este objetivo cria obrigação em Marrocos na qualidade de Estado-membro da UA, mas também nos Estados Demandados, na mesma qualidade. Uma vez que o Tribunal entendeu que a situação de ocupação militar configura uma violação do direito de autodeterminação ao abrigo da Carta Africana, resta saber se Marrocos vai ratificar este instrumento regional de direitos humanos. Face a esta decisão do Tribunal, este cenário parece ficar temporariamente afastado.

Em termos políticos, a decisão do Tribunal Africano terá um impacto limitado, uma vez que Marrocos tem procurado reestabelecer laços diplomáticos, reconquistando legitimidade internacional. Nessa estratégia internacional encontra-se, por exemplo, os recentes avanços diplomáticos com os Estados Unidos da América,81 Israel ou Espanha. Não pode ser ignorado, também, esta aproximação com a União Africana. A normalização das relações diplomáticas entre Marrocos e Israel, em 2020, foi outro ponto controverso da política internacional,82 que veio a derivar, em julho de 2023, no reconheci-mento, por Israel, da soberania marroquina do território do Sahara Ocidental.83 Os Estados Unidos da América haviam reconhecido a soberania de Marrocos sobre todo o território do Sahara Ocidental, em dezembro de 2020, ainda na Administração Trump.84

Que solução para a controvérsia entre Marrocos e o Sahara Ocidental?

Em 2007, o embaixador de Marrocos para as Nações Unidas submeteu um plano para a autonomia da região do Sahara. Neste documento, o Reino de Marrocos comprometia-se a garantir a autonomia política e económica do território do Sahara, exercendo Rabat a soberania sobre todo o território.85 A política externa marroquina junto de Espanha levou a que o governo espanhol de Pedro Sanchez reconhecesse a soberania marroquina do território do Sahara. Em março de 2023, numa missiva enviada ao rei de Marrocos, Sanchez mencionou, entre outros, que:

Reconozco la importancia que tiene la cuestión del Sáhara Occidental para Marruecos y los esfuerzos serios y creíbles de Marruecos, en el marco de Naciones Unidas, para encontrar una solución mutuamente aceptable. En este sentido,

España considera que la propuesta marroquí de autonomía presentada en 2007 como la base más seria, creíble y realista para la resolución de este diferendo.86

Esta carta extingue a margem negocial de que Espanha dispunha nesta controversa, enquanto antiga Potência administrante do território do Sahara. Assim, o caminho para a solução da controvérsia passará por uma autonomia da região do Sahara, enquanto parte integrante do Reino de Marrocos? Os autores parecem dividir-se nesta matéria, mas vários apontam as fragilidades deste acordo e os eventuais problemas que Espanha poderá vir a ter com a soberania sobre os enclaves de Ceuta e Melilla.87 Em todo o caso, parece que tudo aponta no caminho da implementação deste cenário, à medida que cada vez mais Estados reconhecem esta soberania marroquina, bem como a exequibilidade do plano de autonomia de 2007.

5 CONCLUSÃO

A autodeterminação dos povos consolidou-se no direito internacional como um princípio jus cogens e essencial para a descolonização europeia do continente africano. A autodeterminação foi, mais tarde, codificada em vários tratados internacionais de direitos humanos, sendo que é na Carta Africana que este princípio conhece a sua forma atual de direito humanos coletivo. A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, enquanto mecanismo de controlo da Carta Africana, já se tinha pronunciado acerca da violação deste direito fundamental, destacando, contudo, que este apenas pode ser exercido dentro da jurisdição de um Estado e sem atentar contra a integridade das fronteiras desse Estado.88 O caso Bernard Mornah v Benim e Outros afigura-se distinto de toda a jurisprudência da Comissão Africana de Direitos Humanos, na medida em que procurava responsabilizar outros Estados-partes da Carta Africana pela violação do direito de autodeterminação do povo saharauí pelo facto de terem admitido Marrocos como Estado-Membro da União Africana.

A fundamentação do Tribunal, na sua deliberação, entendeu que estes Estados não violaram o artigo 20.º da Carta Africana, mas reconheceu que a ocupação marroquina do território é, em si, uma violação deste direito e que, consequentemente, se traduz numa violação de outros direitos da Carta Africana. Este entendimento demonstra que estes direitos são interrelacionados e interdependentes, como de resto tem sido doutrina do Conselho dos Direitos Humanos da ONU.

É inegável o impacto que esta decisão tem atualmente na política africana para o Sahara, bem como terá certamente num futuro próximo. Desde logo, parece-nos que Marrocos não terá qualquer interesse em subscrever tratados de direitos humanos adotados no quadro da União Africana, uma vez que se os ratificar, poderá incorrer em facto ilícito a partir desse momento e pode ser sancionado pelos mecanismos judiciais do Sistema Africano de Direitos Humanos. Por outro lado, ao admitir Marrocos como Estado-Membro da União Africana, criou-se um imbróglio jurídico para a organização pan-Africana, que é o facto de um dos seus Estados-Membro ocupar militarmente uma parte significativa do território de um outro Estado-Membro da mesma organização. Sendo que são princípios fundamentais da União a integridade e soberania, bem como a santidade da vida humana (artigo 4.º, alínea o) do Ato Constitutivo da UA), resta saber que políticas adotará a União neste sentido, uma vez que o Ato Constitutivo da União Africana lhe confere poderes para, em casos graves, intervir no território dos seus Estados (artigo 4.º, alínea h) do Ato Constitutivo da UA).

 

 


1. M Munene ‘Multiple colonialism in Western Sahara’ (2010) 2 Journal of Language, Technology & Entrepreneurship in Africa 194.

2. Em concreto, o Grupo de Casablanca, que procurava maior integração e a luta contra o colonialismo e outras formas de neo-colonialismo. Cf. K Nash ‘Embracing state security: the peace and security norms and structures of the Organisation of African Unity, 1963 - 1993’ in M Grilli & F Gerits (eds) Visions of African Unity: new perspectives on the history of Pan-Africanism and African unification projects 265.

3. C Portier ‘Quand le ‘(bon)’ juge condamne le crime sans condamner le crimine: l’affaire du Sahara occidental devant la Cour africaine des droits de l’homme et des peuples’ (2023) 150 Journal du droit international 505.

4. JA Lopes ‘Direito de autodeterminação dos povos. Os desenhos da liberdade’ in JA Lopes (ed) Regimes jurídicos internacionais, volume I (2020) 550.

5. A Santos A Organização das Nações Unidas e a questão colonial portuguesa: 1960-1974 (2017) 22-23.

6. C Maia & R Kolb O estatuto internacional da província angolana de Cabinda à luz do direito internacional público (2016) 94-95.

7. Lopes (n 4) at 552.

8. Maia & Kolb (n 6) 95.

9. Lopes (n 4) 552. E ao Estado são reconhecidos alguns elementos essenciais, dentre eles o território definido, a população permanente, bem como a forma de governo um poder político, como determinada a Convenção de Montevidéu, de 1933.

10. Lopes (n 4) 557.

11. Santos (n 5) 23.

12. A Buchanan ‘Self-determination and the right to secede’ (1992) 45 Journal of International Affairs 349.

13. Buchanan (n 12) 350.

14. H Quane ‘The United Nations and the evolving right to self-determination’ (1998) 47 International and Comparative Law Quarterly 547.

15. Declaration on the granting of independence to colonial countries and peoples, United Nations General Assembly (14 de dezembro de 1960).

16. Quane (n 14) 549.

17. H Hannum ‘The right of self-determination in the twenty-first century’ (1998) 55 Washington and Lee Law Review 775; Quane (n 14) 547.

18. Na versão em língua inglesa, o artigo 1, n. º 1 que ‘All peoples have the right of self-determination. By virtue of that right they freely determine their political status and freely pursue their economic, social and cultural development’.

19. Hannum (n 17) 776. Sobre um alegado direito à secessão, ver também C Maia & R Kolb ‘O estatuto do enclave de Cabinda à luz do direito internacional público’ (2013) 8 Anuário Brasileiro de Direito Internacional 64-70.

20. J Liceras El conflicto del Sahara Occidental, reflejo de las contradicciones y carencias del derecho internacional (2001) 24; J Liceras International law and the Western Sahara conflict (2014) 2.

21. F Viljoen International human rights law in Africa (2012) 219.

22. R Garrido ‘Direito à existência e à autodeterminação’ in PP Albuquerque (ed) Comentário da carta africana dos direitos humanos e dos povos e do protocolo adicional (2020) 811.

23. A Baldé O sistema Africano de direitos humanos e a experiência dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (2017) 133. A proibição da sujeição dos povos ao genocídio ou outras práticas de extermínio foi plasmada no artigo XI da Declaração Americana Sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada em 15 de junho de 2016.

24. Artigo 20.º, número 1 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (1981).

25. Artigo 20.º, número 2 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (1981).

26. A Santos ‘Artigo 20.º’ in P Jerónimo, R Garrido & MA Pereira (eds) Comentário lusófono à carta Africana dos direitos humanos e dos povos (2018) 222; Garrido (n 22) 813.

27. Maia & Kolb (n 6) 121.

28. Santos (n 26) 221.

29. Quane (n 14) 537.

30. Viljoen (n 21) 219.

31. Garrido (n 22) 808. Importa ainda referir que a Conferência da OUA, em 1964, adotou a Resolução AHG/Res 16(1) ‘Diferendos fronteiriços entre Estados Africanos’ e na qual instou os Estados ao respeito pelo princípio fundamental da integridade territorial e declara que ‘todos os Estados-membros se comprometem a respeitar as fronteiras existentes à data da sua independência nacional’. Esta opção, como sustenta Azeredo Lopes, é justificada pelo quadro político que poderia suceder de ‘independências sucessivas e de fronteiras internacionais’. Cf Lopes (n 4) 572.

32. Congrès du peuple katangais c. DRC, Comunicação 75/92, Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (1995).

33. Garrido (n 22) 811.

34. Kevin Mgwanga Gunme et al v Cameroon, Comunicação 266/03, Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (2009) para 171.

35. S Omar ‘The right to self-determination and the indigenous people of Western Sahara’ (2008) 21 Cambridge Review of International Affairs 45.

36. J Weiner ‘Green March in historical perspective’ (1979) 33 Middle East Journal 22.

37. Weiner (n 36) 26.

38. Garrido (n 22) 809.

39. J Mundy ‘Neutrality or complicity? the United States and the 1975 Moroccan takeover of the Spanish Sahara’ (2006) 11 The Journal of North African Studies 276.

40. G Naldi ‘The Organisation of African Unity and the Saharan Arab Democratic Republic’ (1982) 26 Journal of African Law 153.

41. De acordo com a informação disponibilizada na página da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

42. Resolution on the Western Sahara - ACHPR/Res.45(XXVII)2000.

43. Resolution on the situation in the Saharawi Arab Democratic Republic - ACHPR/Res.282(LV) 2014.

44. Bernard Mornah v Benim e Outros Tribunal Africano Julgamento (22 de setembro de 2022) 5-6.

45. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 14.

46. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 18.

47. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 16-17.

48. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 21.

49. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 28.

50. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 29.

51. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 32.

52. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 34.

53. No caso, o artigo 4.º g) do Ato Constitutivo da União Africana.

54. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 42.

55. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 43.

56. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 43.

57. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 5-6.

58. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 67.

59. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 68.

60. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 70.

61. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 71.

62. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 71.

63. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 72.

64. E nem sequer tal se traduz em direitos especiais em relação aos demais membros.

65. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 72.

66. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 75.

67. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 76. Esta obrigação erga omnes é destacada pela Pan-African Lawyers’ Union (PALU), que fez um pedido para ser amicus curiae neste caso.

68. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 79-80.

69. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 81.

70. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 83.

71. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 83.

72. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 84.

73. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 84.

74. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 85.

75. O Projeto de Artigos sobre a Responsabilidade do Estado por Facto Internacional Ilícito foram compilados pela Comissão de Direito Internacionais e posterior-mente comunicado à Assembleia Geral da ONU pela Resolução 56/83, de 12 de dezembro de 2001.

76. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 87.

77. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 88.

78. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 89.

79. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 90.

80. Bernard Mornah v Benim e Outros (n 44) 91.

81. CJ Borgen ‘The art of the deal or ‘abandoning’ self-determination?: US recognition of Morocco’s territorial sovereignty over Western Sahara’ (2022) 55 Israel Law Review 127-144.

82. Khalil Al-Anani ‘Moroccan normalization with Israel: temporary deal or permanent peace?’ 8 July 2021 https://arabcenterdc.org/resource/moroccan-normalization-with-israel-temporary-deal-or-permanent-peace/ (consultado a 29 julho 2023).

83. Liberation ‘Israël reconnaît la souveraineté du Maroc sur le Sahara occidental’ 17 July 2023 https://www.liberation.fr/international/moyen-orient/israel-reco nnait-la-souverainete-du-maroc-sur-le-sahara-occidental-20230717_XG3IDBPG AZG35BDR63MTZKX3KI/?fbclid=IwAR3Yio8bwVBn2oI06OExvKi9oIc6CwJGG QtZFr1c8UAQIK2zjt2ElOx9sWc (consultado a 29 julho 2023).

84. United States of America ‘Proclamation on recognizing the sovereignty of the Kingdom of Morocco over the Western Sahara’ 10 December 2020 https://ma.usembassy.gov/proclamation-on-recognizing-the-sovereignty-of-the-kingdom-of-morocco-over-the-western-sahara/ (consultado a 29 julho 2023).

85. UN Security Council ‘Moroccan initiative for negotiating an autonomy statute for the Sahara region’ S/2007/206 13 April 2007 https://moroccoembassy.vn/FileUpload/Documents/S_2007_206-EN.pdf (consultado a 29 julho 2023).

86. El País ‘La carta de Pedro Sánchez a Mohamed VI: ‘Debemos construir una nueva relación que evite futuras crisis’ 23 March 2022 https://elpais.com/espana/2022-03-23/la-carta-de-pedro-sanchez-a-mohamed-vi-debemos-construir-una-nueva-relacion-que-evite-futuras-crisis.html (consultado a 29 julho 2023).

87. J Vega ‘¡TRISTE ESPAÑA!*: Los aspectos formales y contextuales del cambio de posición Español’ (2022) 74 Revista Española de Derecho Internacional; J Liceras ‘Por qué la integración en Marruecos (la autonomía) no es la forma de resolver el conflicto (la descolonización) del Sáhara Occidental’ (2022) 74 Revista Española de Derecho Internacional.

88. Garrido (n 22) 815-817.