Catherine Maia
 Professora de Direito Internacional da Universidade Lusófona (Portugal), Professora convidada do Instituto de Estudos Políticos de Paris – Sciences Po Paris (França)
  https://orcid.org/0000-0001-9710-4655

 André-Marie Gbénou
 Doutorando em Direito Internacional pela Universidade de Grenoble Alpes (França)
  https://orcid.org/0000-0001-9679-2919


 Edition: AHRY Volume 6
 Pages: 82-105
 Citation:  C Maia & AM Gbénou ‘A proibição e repressão da tortura no sistema africano dos direitos humanos: utopia ou má-fé dos Estados?’ (2022) 6 Anuário Africano dos Direitos Humanos 82-105
http://doi.org/10.29053/2523-1367/2022/v6a4
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 Esta contribuição beneficiou dos valiosos contributos de várias pessoas durante uma estadia de pesquisa realizada durante o verão de 2022 no Tribunal ADHP por André-Marie Gbénou, bem como dos ricos conhecimentos de juristas da Comissão ADHP, pelo que os autores gostariam de expressar os seus mais calorosos agradecimentos a Sègnonna Horace Adjolohoun, Principal Legal Officer no Tribunal, Fidelis M. Katonga, Chefe da Biblioteca do Tribunal, e, especialmente, Anita Bagona, Legal Officer na Comissão. Acrescentamos que todas as traduções necessárias para este trabalho são nossas.

RESUMO

Embora o sistema africano de proteção dos direitos humanos tenha consagrado como absoluto o direito de não sofrer atos de tortura ou penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, estas práticas, que desprezam a dignidade inerente à pessoa humana, continuam a prosperar no continente. Assim sendo, serão a proibição e a repressão da tortura pura utopia ou evidência da má-fé dos Estados? O presente estudo procura fornecer elementos de resposta a esta questão. Expõe, em primeiro lugar, os instrumentos jurídicos pertinentes na matéria, bem como o mandato do Comité para a Prevenção da Tortura em África, responsável pela promoção da implementação das Linhas Diretrizes de Robben Island. Traça, em seguida, um panorama da situação através do estudo das ratificações e das queixas submetidas às instâncias supranacionais africanas, apresenta as deficiências nacionais, tanto na adoção de legislações e na criação de órgãos específicos como na complacência na fase da repressão, e termina com a proposta de recomendações para melhorar a eficácia da luta contra a tortura.

TITRE ET RÉSUMÉ EN FRANÇAIS 

L’interdiction et la répression de la torture dans le système africain des droits de l’homme: utopie ou mauvaise foi des États?

RÉSUMÉ

Bien que le système africain de protection des droits humains ait consacré comme absolu le droit de ne pas subir d’actes de torture et de peines ou traitements cruels, inhumains ou dégradants, ces pratiques méprisant la dignité inhérente à la personne humaine continuent de prospérer sur le continent. Dès lors, l’interdiction et la répression de la torture relèvent-elles d’une pure utopie ou mettent-elles en évidence la mauvaise foi des États? La présente étude s’attache à apporter des éléments de réponse à ce questionnement. Elle expose, tout d’abord, les instruments juridiques pertinents en la matière, ainsi que le mandat du Comité pour la prévention de la torture en Afrique, chargé de promouvoir l’application des Lignes directrices de Robben Island. Elle dresse, ensuite, un panorama de la situation à travers l’étude des ratifications et des plaintes soumises aux instances supranationales africaines, présente également les défaillances nationales tant dans l’adoption de législations et la création d’organes spécifiques que dans la complaisance au stade de la répression, et termine par la proposition de recommandations pour améliorer l’efficacité de la lutte contre la torture.

TITLE AND ABSTRACT IN ENGLISH

The prohibition and punishment of torture in the African human rights system: utopia or bad faith of states?

ABSTRACT

Although the African human rights protection system has enshrined as absolute the right not to be subjected to acts of torture or cruel, inhuman or degrading punishment or treatment, these practices, which disregard the inherent dignity of the human person, continue to thrive on the continent. This state of affairs begs the question whether the prohibition and repression of torture are pure utopia or evidence of the bad faith of states. This study aims to answer this question. It sets out, first, the relevant legal instruments in this area, as well as the mandate of the Committee for the Prevention of Torture in Africa, responsible for promoting the implementation of the Robben Island Guidelines. It then provides an overview of the situation by studying the ratifications and complaints submitted to African supranational bodies. It also presents national shortcomings both in the adoption of legislation and in the creation of specific bodies, as well as in complacency at the repression stage. It ends with the proposal of recommendations to improve the effectiveness of the fight against torture.

PALAVRAS-CHAVE: tortura, penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, Linhas Diretrizes de Robben Island, Comité para a Prevenção da Tortura em África, Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos

íNDICE

1 Introdução 

2 Quadro normativo e institucional da proibição da tortura em África

2.1 Instrumentos relativos à tortura no sistema africano dos direitos humanos

2.2 Mandato do Comité para a Prevenção da Tortura em África 

3 Panorama da situação da tortura em África

3.1 Através do nível das ratificações dos instrumentos relevantes 

3.2 Através das queixas encaminhadas às instâncias africanas supranacionais

4 Falhas nacionais na implementação das Linhas Diretrizes de Robben Island 

4.1 No plano da adoção de leis e da criação de órgãos específicos

4.2 No plano da repressão das violações 

5 Considerações finais: recomendações para um maior dinamismo na luta contra a tortura em África 

 

1 INTRODUÇÃO

Considerados um dos piores atentados à integridade e à dignidade do ser humano, a tortura e as outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes são proibidos de forma universal e absoluta. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados consagraram a interdição da tortura tanto a nível internacional1 quanto a nível dos sistemas regionais dos direitos humanos,2 o que reflete o profundo apego da comunidade internacional à salvaguarda da dignidade humana.3 Esta proscrição aplica-se em todas as circunstâncias, ou seja, tanto em tempos de paz como em tempos de guerra,4 sem que seja aceite qualquer derrogação, quer se trate da invocação do interesse geral e da segurança nacional ou da perigosidade da vítima e da gravidade dos seus crimes.

Embora a tortura esteja, muitas vezes, associada a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, estes últimos não são definidos com precisão nos instrumentos internacionais.5 Da jurisprudência, é possível deduzir, por um lado, que as penas ou tratamentos degradantes envolvem uma humilhação ou degradação. Referem-se a um leque de práticas suscetíveis de despertar na vítima sentimentos de medo, angústia e inferioridade capazes de humilhá-la e degradá-la ou que visam romper a resistência física ou moral da vítima6 ou levá-la a comportar-se de forma contrária à sua vontade ou consciência.7 Por outro lado, as penas ou tratamentos desumanos devem atingir um mínimo de gravidade, causando lesões corporais ou sofrimentos mentais intensos, sem serem necessariamente deliberados ou infligidos para um propósito específico.8

No caso da tortura, esta traduz a forma mais grave destas práticas, infligidas de forma deliberada e intencional. De acordo com o artigo 1 da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984 - que continua a ser o principal tratado internacional nesta área - o termo tortura designa:

qualquer ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa com os fins de, nomeadamente, obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões, a punir por um ato que ela ou uma terceira pessoa cometeu ou se suspeita que tenha cometido, intimidar ou pressionar essa ou uma terceira pessoa, ou por qualquer outro motivo baseado numa forma de discriminação, desde que essa dor ou esses sofrimentos sejam infligidos por um agente público ou qualquer outra pessoa agindo a título oficial, a sua instigação ou com o seu consentimento expresso ou tácito. Este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legítimas, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionados.

De acordo com essa definição, quatro critérios cumulativos são essenciais para qualificar um ato de tortura: um alto grau de dor ou de sofrimento físico ou mental; um carácter intencional excluindo a mera negligência; a procura de um propósito específico, como obter informações ou confissões, punir ou intimidar; e o envolvimento de um agente da função pública ou de qualquer outra pessoa agindo no exercício das suas funções oficiais, por sua instigação ou com o seu consentimento expresso ou implícito, estando a vítima sob a sua custódia ou sob o seu controlo.9 Nesse sentido, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Comissão ADHP) afirmou que, apesar da ausência de uma definição do conceito de tortura na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Carta ADHP, também conhecida como Carta de Banjul) de 1981, a tortura envolve graves sofrimentos físicos e/ou psicológicos destinados a humilhar o indivíduo ou forçá-lo a agir contra a sua vontade ou consciência,10 tendo de ser tidos em conta tanto elementos objetivos como subjetivos.11

A importância dessa interdição levou ao seu reconhecimento12 como norma imperativa ou de jus cogens13 de direito internacional geral. Por outras palavras, todos os Estados, tenham ou não ratificado os tratados relevantes, são obrigados a respeitar a proibição da tortura e dos tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Nesse sentido, no caso Furundžija, o Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ) proclamou em 1998 que, ‘devido à importância dos valores que protege, este princípio tornou-se uma norma imperativa ou de jus cogens, ou seja, uma norma que ocupa uma posição mais elevada na hierarquia internacional do que o direito convencional e até mesmo do que as regras do direito consuetudinário ‘ordinário’.14 Daí deduziu que ‘o valor de jus cogens da interdição da tortura reflete a ideia de que ela é hoje uma das normas mais fundamentais da comunidade internacional’.15

Seguindo os passos do TPIJ, esta consagração foi confirmada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (Tribunal EDH) que em 2001, no caso Al-Adsani c. Reino Unido, reconheceu que ‘a proibição da tortura tornou-se uma regra imperativa de direito internacional’,16 bem como pelo Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos (Tribunal IDH) que em 2003, no caso Maritza Urrutia c. Guatemala, esclareceu que todas as formas de tortura, tanto físicas quanto psicológicas, estão sujeitas a uma proibição absoluta e inderrogável pertencente hoje ao domínio do jus cogens, de modo que não pode ser suspensa mesmo nas circunstâncias mais difíceis, como a guerra, a luta contra o terrorismo, o estado de sítio ou de emergência ou outras calamidades nacionais.17 Da mesma forma, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) reconheceu em 2012, no caso das Questões relativas à obrigação de processar ou extraditar, que ‘a proibição da tortura faz parte do direito internacional consuetudinário e adquiriu o carácter de norma imperativa (jus cogens). Esta proibição baseia-se numa ampla prática internacional e na opinio juris dos Estados. Aparece em numerosos instrumentos internacionais com vocação universal (...), e foi introduzida no direito interno de quase todos os Estados; finalmente, os atos de tortura são regularmente denunciados nos órgãos nacionais e internacionais’.18 É na mesma linha que as Câmaras Africanas Extraordinárias, no caso Hissène Habré, também proclamaram em 2016 que ‘esta proibição absoluta, que em nenhum caso pode ser derrogada, está consagrada em numerosos instrumentos internacionais’, sendo hoje uma norma costumeira e de jus cogens.19

No sistema africano dos direitos humanos, se a interdição da tortura não foi explicitamente consagrada como norma imperativa,20 está, no entanto, inserida como norma absoluta21 num quadro normativo e institucional que contrasta fortemente com a escala das violações observadas. Diante de tal contraste, e verificando-se o recurso, por parte dos Estados, a práticas de tortura e outros tratamentos cruéis, cabe perguntar se a proibição e repressão da tortura traduz uma utopia ou se reflete uma má-fé dos Estados em não cumprir as suas obrigações internacionais. Este questionamento vai levar-nos a expor o quadro normativo e institucional que visa combater o recurso a esta prática em África, para depois apresentar um panorama da situação no continente africano e apontar as falhas dos Estados na sua implementação. O artigo termina com a proposta de recomendações.

2 QUADRO NORMATIVO E INSTITUCIONAL DA PROIBIÇÃO DA TORTURA EM ÁFRICA

A Convenção contra a Tortura de 1984 lançou os alicerces que enquadram a proibição e punição da tortura a nível internacional. Nessa senda, o sistema africano dos direitos humanos assumiu esses fundamentos a nível regional ao consagrar as obrigações que incumbem aos Estados no que diz respeito à prevenção e punição dos atos de tortura e das penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

2.1 Instrumentos relativos à tortura no sistema africano dos direitos humanos

Tal como outros instrumentos internacionais e regionais de direitos humanos, a Carta ADHP consagra a proibição da tortura no seu artigo 5, que dispõe:

Todo indivíduo tem direito ao respeito da dignidade inerente à pessoa humana e ao reconhecimento da sua personalidade jurídica. Todas as formas de exploração e de aviltamento do homem, nomeadamente a escravatura, o tráfico de pessoas, a tortura física ou moral e as penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, são proibidos.22

Além deste texto basilar do sistema africano dos direitos humanos, a proscrição da tortura também está consagrada em vários outros tratados africanos de direitos humanos, os quais protegem certas categorias de pessoas.

Assim, a Carta Africana dos Direitos e do Bem-Estar da Criança de 1990, no seu artigo 16 dedicado à proteção contra abusos e maus-tratos, declara que:

Os Estados Partes da presente Carta tomarão medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas específicas para proteger a criança contra qualquer forma de tortura, tratamentos desumanos e degradantes e, em particular, qualquer forma de atentado ou de abuso físico ou mental, negligência ou maus-tratos, incluindo sevícia sexual, enquanto estiverem sob a responsabilidade de um parente, de um tutor legal, da autoridade escolar ou de qualquer outra pessoa a quem tenha sido confiado a guarda da criança (parágrafo 1).

Nos termos deste artigo, cabe aos Estados Partes instituir medidas de proteção, incluindo

procedimentos efetivos para a criação de organismos especiais de vigilância encarregados de fornecer à criança e àqueles que os têm a seu cargo, o apoio necessário bem como outras formas de medidas preventivas, e para detetar e assinalar os casos de negligência ou de maus-tratos infringidos a uma criança, mover uma ação judiciária e promover inquérito a esse respeito, o tratamento do caso e o seu seguimento (parágrafo 2).

Além disso, o Protocolo à Carta ADHP relativo aos Direitos da Mulher em África de 2003,23 no seu artigo 4, garante a cada mulher o ‘direito ao respeito pela sua vida, à integridade física e à segurança’, acrescentando que ‘[t]odas as formas de exploração, de punição e de tratamento desumano ou degradante devem ser proibidas’ (parágrafo 1).24

Por outro lado, o Protocolo à Carta ADHP relativo aos Direitos dos Idosos em África, adotado em 2016, refere-se à interdição da tortura no seu preâmbulo, remetendo para a Convenção das Nações Unidas de 1984. No seu articulado, o artigo 8 exige que os Estados Partes proíbam e criminalizem as práticas tradicionais nocivas que afetam o bem-estar, saúde, vida e dignidade dos idosos. De igual forma, o Protocolo à Carta ADHP relativo aos Direitos das Pessoas com Deficiência em África, adotado em 2018, proíbe no seu artigo 10 que pessoas portadoras de deficiência sejam objeto de tortura e penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, bem como impõe aos Estados Partes a obrigação de tomarem medidas no combate destas práticas e a obrigação de investigar e julgar os perpetradores desses atos. O artigo 11 proíbe ainda as práticas nocivas perpetradas contra pessoas com deficiência. Muito embora estes dois Protocolos não tenham entrado ainda em vigor, demonstram uma consciência da União Africana na necessidade de proibir a tortura nas pessoas mais vulneráveis e em todas as suas formas.

Finalmente, como parte da sua missão de promover e proteger os direitos humanos, e de reforçar a implementação do artigo 5 da Carta ADHP e dos outros instrumentos contra a tortura, a Comissão ADHP decidiu adotar, em 2002, as Diretrizes e Medidas para a Proibição e Prevenção da Tortura, Tratamentos e Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes em África, conhecidas como as ‘Linhas Diretrizes de Robben Island’.25 O documento de 50 artigos está dividido em três partes principais relacionadas com a proibição da tortura, a prevenção da tortura e a reabilitação das vítimas.

2.2 Mandato do Comité para a Prevenção da Tortura em África

No sistema africano de proteção dos direitos humanos, o cumprimento das disposições convencionais que proíbem a tortura é assegurado, respetivamente, pela Comissão ADHP, pelo Tribunal ADHP, bem como pelo Comité Africano de Peritos sobre os Direitos e o Bem-Estar da Criança (CAEDBE). Além disso, durante a 35ª sessão ordinária de maio-junho de 2004, a Comissão ADHP decidiu criar um Comité de monitorização como órgão específico para divulgar e promover as Linhas Diretrizes de Robben Island e, de um modo mais geral, para a auxiliar a encarar eficazmente a questão da tortura em África. Na sequência da 46ª sessão ordinária da Comissão, realizada em novembro de 2009, este Comité de monitorização tornou-se o Comité para a Prevenção da Tortura em África (CPTA).26

O CPTA tem o seguinte mandato: organizar, com o apoio de outros parceiros interessados, seminários para divulgar as Linhas Diretrizes de Robben Island junto dos atores nacionais e internacionais; desenvolver e propor à Comissão ADHP estratégias para a promoção e implementação das Linhas Diretrizes de Robben Island aos níveis nacional e regional; promover e facilitar a aplicação das Linhas Diretrizes de Robben Island nos Estados-Membros; e apresentar um relatório à Comissão ADHP, em cada sessão ordinária, sobre o estado de implementação das Linhas Diretrizes de Robben Island.27 Neste mandato, duas missões aparecem centrais: a proibição e a prevenção da tortura, que constituem respetivamente a primeira e a segunda parte do documento.28

2.2.1 Na vertente da proibição da tortura

As recomendações relativas à proibição da tortura nas Linhas Diretrizes de Robben Island fornecem orientações aos Estados sobre a implementação das suas obrigações positivas e negativas.

Em termos de obrigações positivas, as Linhas Diretrizes de Robben Island convidam os Estados, antes de mais, a ratificar os vários instrumentos internacionais e regionais relevantes para a proibição dos atos de tortura. Entre estes, é particularmente recomendada a ratificação do Protocolo à Carta ADHP que estabelece o Tribunal ADHP, da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura, cujos Estados devem aceitar a competência do Comité contra a Tortura, bem como do Estatuto de Roma que institui o Tribunal Penal Internacional.

Os Estados são igualmente instados a promover e apoiar a cooperação internacional com os vários mecanismos que trabalham em prol da proibição da tortura, quer a nível africano com a Comissão ADHP, o Relator Especial sobre Prisões e Condições de Detenção em África, o Relator Especial sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias em África29 e o Relator Especial sobre os Direitos da Mulher em África, quer a nível das Nações Unidas com os órgãos dos tratados de direitos humanos, os mecanismos específicos do Conselho dos Direitos Humanos, incluindo o Relator Especial sobre a Tortura. Esta cooperação, que visa fortalecer as sinergias e a dinâmica de complementaridade entre os mecanismos existentes, foi concretizada em diversas ocasiões pelo CPTA, que trabalha com outros organismos internacionais e regionais de combate à tortura. A declaração conjunta de 26 de junho de 2018, adotada por ocasião do Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, é uma ilustração dessa cooperação.30

Para além disso, os Estados são chamados a adotar medidas legislativas para criminalizar os atos de tortura, tal como definidos no artigo 1 da Convenção contra a Tortura de 1984. Em termos concretos, isto implica adotar leis que criminalizam os atos de tortura e atribuir competência aos tribunais nacionais para julgar os casos de supostas violações. Sendo a proibição da tortura absoluta, não é suscetível de ponderação com outros direitos e nenhuma circunstância excecional pode ser invocada para justificar um ato de tortura.31 Além do mais, esta infração deveria ser passível de extradição32 e o julgamento ou extradição de qualquer pessoa suspeita de atos de tortura deveria ocorrer o mais rapidamente possível.33 A este respeito, o Comité contra a Tortura, com base na Convenção contra a Tortura de 1984,34 teve a oportunidade de recordar a obrigação dos Estados de punir os atos de tortura, mesmo que os perpetradores não sejam os seus próprios cidadãos ou que não tenham cometido esses atos no seu território. Isto implica que o Estado julgue o perpetrador com base na competência universal ou o extradite.35

Ainda entre as obrigações positivas, com o objetivo de combater a impunidade, é feita uma série de recomendações aos Estados, incluindo a adoção de disposições a fim de assegurar que os autores de atos de tortura sejam processados, que não beneficiem de imunidade de ação penal quando se trata de nacionais e que esta imunidade seja tão restrita quanto possível quando se trata de cidadãos estrangeiros com direito a ela.

Finalmente, em termos de obrigações negativas, longe da abundância que caracteriza as obrigações positivas, existe apenas uma. A única obrigação negativa relacionada com a proibição da tortura diz respeito ao princípio do non-refoulement. A proibição da tortura a que os Estados estão vinculados implica também que eles não expulsem ou extraditem uma pessoa para um Estado em cujo território exista um risco sério de que ela seja submetida à prática de tortura.36

2.2.2 Na vertente da prevenção da tortura

Outra missão importante do CPTA é a prevenção da tortura. Conforme reconhecido pelo Comité dos Direitos Humanos, esta vertente preventiva é essencial na medida em que complementa a vertente da proibição.37 Todos os sistemas de proteção dos direitos humanos, seja a nível internacional ou regional, contêm esta componente preventiva, que também foi reconhecida pela jurisprudência.38

As prescrições para a prevenção da tortura impõem que os Estados garantam que os indivíduos sejam respeitados em sua integridade física, sejam pessoas privadas de liberdade ou pessoas em prisão preventiva.

A respeito das pessoas privadas de liberdade, as Linhas Diretrizes de Robben Island apelam aos Estados para que prevejam garantias para evitar qualquer arbitrariedade e qualquer marginalização.39 Em particular, recomendam que qualquer detenção seja sujeita a regulamentação, a fim de respeitar o princípio da legalidade dos delitos e das penas. A regulamentação em causa deve incluir salvaguardas, nomeadamente: o direito a que um membro da família ou outra pessoa apropriada seja informada, o direito a ser examinado por um médico, o direito a ter um advogado, bem como o direito a ser informado dos seus direitos num idioma que seja compreendido.

A respeito das pessoas em situação de prisão preventiva, cabe aos Estados instituir determinadas garantias,40 começando pela adoção de regulamentações sobre o tratamento das pessoas privadas de liberdade que cumpram os padrões estabelecidos no Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob Qualquer Forma de Detenção ou Prisão (1988). Além disso, os Estados deveriam combater a existência de locais de detenção secretos ou não oficiais, o que implica a criação de registos oficiais de todas as pessoas privadas de liberdade. Qualquer depoimento que seja obtido através do recurso à tortura deveria ser excluído como elemento de prova num processo. Qualquer pessoa detida deveria ser imediatamente informada das acusações contra ela e ter a oportunidade de contestar a legalidade das mesmas perante um juiz. Da mesma forma, deveria ter acesso a assistência jurídica e a serviços médicos.

Além disso, os Estados deveriam tomar as medidas necessárias para assegurar condições dignas de detenção.41 A este respeito, as Linhas Diretrizes de Robben Island especificam que os Estados deveriam tratar as pessoas privadas de liberdade de acordo com as normas internacionais contidas nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos ou Regras de Mandela (1955, revistas em 2015). São diretrizes mínimas a serem observadas por todos os Estados partes da Carta ADHP. Portanto, onde as condições de detenção não cumprem as normas internacionais, os Estados deveriam agir para melhorá-las.

Um dos pontos-chave das Linhas Diretrizes de Robben Island relativamente às condições de detenção é a recomendação de que as pessoas em prisão preventiva não deveriam estar nos mesmos espaços que aquelas que cumprem pena efetiva.42 Não deveria existir esta situação, uma vez que a pessoa condenada, ao contrário da pessoa em prisão preventiva, foi julgada e reconhecida como culpada. Do mesmo modo, as crianças,43 mulheres e pessoas vulneráveis deveriam ser distinguidas dos restantes indivíduos detidos, a fim de os manter em instalações separadas e apropriadas, como forma de garantir a sua segurança.44

A componente preventiva das Linhas Diretrizes de Robben Island implica também a existência de mecanismos de monitorização e capacitação da sociedade civil. No que diz respeito aos mecanismos de fiscalização,45 os Estados são chamados a garantir a independência e imparcialidade da magistratura, tomando medidas inspiradas nos Princípios Básicos relativos à Independência do Poder Judicial (1985), com o objetivo de impedir qualquer interferência nos processos judiciais e promover mecanismos de reclamação eficazes, acessíveis e independentes. As visitas aos locais de detenção deveriam ser encorajadas e facilitadas para as instituições nacionais independentes, tais como as comissões de direitos humanos, os provedores de justiça ou as comissões parlamentares, mas também para as organizações não governamentais (ONG) e para o Subcomité contra a Tortura. No que diz respeito ao fortalecimento das capacidades nacionais,46 recomenda-se que os Estados proporcionem programas de formação e campanhas de sensibilização sobre as normas de direitos humanos, especialmente sobre a proibição e prevenção da tortura, mas também que promovam códigos de conduta e de ética para o pessoal encarregado da segurança e da aplicação da lei.

3 PANORAMA DA SITUAÇÃO DA TORTURA EM ÁFRICA

Além dos relatórios que os Estados partes na Carta Africana devem submeter para expor os progressos alcançados na implementação das disposições da referida Carta,47 bem como dos relatórios alternativos e complementares das ONG e das instituições nacionais de direitos humanos, pode ser elaborada uma panorâmica da situação da tortura em África com base, por um lado, no nível das ratificações dos instrumentos relevantes pelos Estados, por outro lado, nas queixas apresentadas junto das instâncias supranacionais africanas.

3.1 Através do nível das ratificações dos instrumentos relevantes

As Linhas Diretrizes de Robben Island convidam os Estados africanos a serem partes nos vários instrumentos internacionais e regionais relevantes em matéria de direitos humanos e a criarem os mecanismos necessários para a sua implementação efetiva.48 É, portanto, útil apresentar o estado das ratificações pelos Estados africanos dos textos pertinentes relativos à tortura, uma vez que este nível de ratificações é um dos vetores de análise da situação da tortura em África.

O número de Estados africanos que ratificaram a Convenção contra a Tortura de 1984 é particularmente notável. Na data da 71ª sessão ordinária da Comissão Africana, realizada de 21 de abril a 13 de maio de 2022, 52 Estados africanos haviam ratificado esta Convenção, ou seja, todos os Estados do continente, com a exceção da Tanzânia e do Zimbabué.49

Esta Convenção contra a Tortura de 1984 foi complementada por um Protocolo Facultativo, que foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 18 de dezembro de 2002 e entrou em vigor a 22 de junho de 2006. ‘Convencidos de que a proteção das pessoas privadas de liberdade contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes pode ser reforçada através de meios não judiciais, de carácter preventivo, baseados em visitas regulares a locais de detenção’,50 os Estados Partes acordaram em adotar o presente Protocolo, cujo objetivo é ‘estabelecer um sistema de visitas regulares, efetuadas por organismos internacionais e nacionais independentes, aos locais onde se encontram pessoas privadas de liberdade, a fim de prevenir a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes’.51 O papel central deste sistema é confiado, por um lado, aos mecanismos nacionais de prevenção independentes a nível interno,52 por outro lado, ao Subcomité para a Prevenção da Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes a nível internacional.53

Cabe aqui fazer duas observações. Em primeiro lugar, apenas 23 Estados africanos ratificaram o Protocolo Facultativo, o que reflete um nível bastante baixo de adesão comparado com a ratificação da Convenção contra a Tortura.54 Em segundo lugar, mesmo entre os Estados africanos partes no Protocolo Facultativo, nem todos estabeleceram um mecanismo nacional de prevenção no prazo de um ano após a sua ratificação ou adesão,55 embora esta seja uma recomendação que também se encontra nas Linhas Diretrizes de Robben Island. Esta dupla constatação realça uma flagrante má-fé por parte dos Estados africanos para se empenharem resolutamente no caminho da luta contra a tortura. Assim, a Comissão ADHP, durante as suas visitas destinadas a promover os direitos humanos, nunca deixa de questionar os Estados sobre os progressos realizados, particularmente sobre os avanços em matéria de luta contra a tortura. Embora, geralmente, os Estados que ainda não adotaram um mecanismo de prevenção nacional prometam fazê-lo, observa-se um imobilismo.

3.2 Através das queixas encaminhadas às instâncias africanas supranacionais

As denúncias submetidas às instâncias supranacionais africanas também são úteis para desenvolver uma visão geral da situação da tortura no continente. A este respeito, podem ser apresentadas queixas relativas a alegações de atos de tortura à Comissão ADHP, um órgão quase judicial com competência ratione materiae sobre a Carta ADHP,56 e ao Tribunal ADHP, um órgão judicial com competência ratione materiae sobre a Carta ADHP e o seu Protocolo. Até à data, ambos têm sido chamados a pronunciar-se sobre alegações de tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e ambos aliviaram o ónus da prova para os queixosos, especialmente em contextos sensíveis em que estes se encontravam detidos ou sob controlo policial.57

3.2.1 Perante a Comissão ADHP

A Comissão ADHP tem competência ratione personae para examinar as comunicações que lhe são submetidas pelos Estados Partes na Carta ADHP e por indivíduos cujos direitos ao abrigo da Carta ADHP tenham sido violados.

A Comissão ADHP pode receber comunicações submetidas por um Estado Parte que considere que outro Estado Parte violou uma ou mais disposições da Carta ADHP.58 Recursos interestaduais podem assim ser submetidos por um Estado cujo nacional tenha sido vítima de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante pelas autoridades e no território de outro Estado. Recursos interestaduais podem também ser submetidos por um Estado Parte na Carta ADHP que entende que outro Estado Parte violou a proibição da tortura consagrada no artigo 5 da mesma Carta, sendo tal proibição uma obrigação erga omnes.59

Tanto quanto sabemos, a Comissão ADHP já teve, pelo menos, um caso de recurso interestadual nesta matéria, no caso República Democrática do Congo c. Burundi, Ruanda e Uganda. Neste caso, a República Democrática do Congo fez alegações de violações graves e maciças dos direitos humanos cometidas pelas forças armadas dos três Estados demandados nas províncias congolesas afetadas por um movimento de rebelião desde agosto de 1998 e que atribuía a esses mesmos Estados. Nesta ocasião, a Comissão lembrou que o artigo 75(2) do Primeiro Protocolo às Convenções de Genebra proíbe uma série de atos, em qualquer momento e em qualquer lugar, cometidos por agentes civis ou militares, incluindo ‘tortura sob todas as suas formas, seja física ou mental’.60

Para além das comunicações interestaduais, a Comissão ADHP pode receber comunicações de indivíduos ou de ONG, desde que se trate de uma alegada violação de uma ou mais disposições da Carta ADHP por um Estado Parte e sempre após o esgotamento dos mecanismos nacionais.61 No decorrer dos primeiros 25 anos da sua existência, a Comissão ADHP recebeu 67 comunicações que alegavam a violação do direito de não ser sujeito a tortura e outras formas de maus-tratos.62

Ao longo da sua jurisprudência, a Comissão ADHP forneceu esclarecimentos úteis sobre a interpretação do artigo 5 da Carta ADHP. Em particular, considerou que o facto de deter pessoas sem lhes permitir comunicar com as suas famílias e se recusar a informar as mesmas quanto à detenção dos seus familiares constitui um tratamento desumano, tanto para os próprios detidos como para as suas famílias.63 Considerou também que condições de detenção que possam derivar numa violação da integridade física e psicológica dos detidos64 são contrárias ao artigo 5 da Carta ADHP, do mesmo modo que qualquer ato que conduza a um desaparecimento forçado que ‘subtraia a vítima deste ato à proteção da lei e cause graves sofrimentos à própria vítima, bem como à sua família’.65

A Comissão proclamou ainda que: ‘O artigo 5 proíbe não só a tortura, mas também o tratamento cruel, desumano ou degradante. Isto inclui não apenas os atos que causam graves sofrimentos físicos ou psicológicos, mas também aqueles que humilham a pessoa ou a forçam a agir contra a sua vontade ou consciência’.66 Vários casos foram avaliados neste sentido pela Comissão ADHP, quer se tratem de comunicações sobre violações da dignidade humana,67 as condições de detenção e de prisão preventiva,68 o caso de detidos que sofrem de distúrbios psicológicos,69 ou ainda castigos corporais,70 tais como o facto de permanecer com os braços e as pernas acorrentados e de ser submetido a maus-tratos, incluindo espancamentos e detenção em celas sujas e mal ventiladas, sem ter acesso a cuidados médicos.71

Para além da jurisprudência desenvolvida pela Comissão ADHP, algumas linhas devem igualmente ser dedicadas aos apelos urgentes. Este procedimento funciona como mecanismo preventivo quando o CPTA - enquanto mecanismo especial da Comissão Africana - recebe por parte desta informações credíveis e pertinentes de indivíduos ou ONG sobre situações urgentes de violações graves ou maciças dos direitos humanos, as quais podem causar danos irreparáveis.72 Todos os anos, o CPTA recebe inúmeras interpelações de indivíduos ou ONG que denunciam situações graves de alegadas violações da interdição da tortura e dos tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

A prática do CPTA, quando recebe alegações de atos de tortura ou de maus-tratos, consiste em redigir uma carta de apelo urgente às autoridades do Estado, pedindo para pôr termo ou prevenir as violações e para fornecer num prazo razoável uma resposta substantiva sobre as referidas alegações. As respostas recebidas, quando existem,73 são então incluídas nos relatórios das atividades que a Comissão apresenta aos órgãos deliberativos da UA.

3.2.2 Perante o Tribunal ADHP

Vários casos foram submetidos ao Tribunal ADHP com base no artigo 5 da Carta Africana. Todavia, até à data, nunca chegou à conclusão de que atos de tortura tenham sido comprovados. A este respeito, é de notar que o número de recursos não reflete a realidade dos casos de tortura a nível dos Estados no continente. De facto, devido ao obstáculo colocado pela competência facultativa do Tribunal ADHP,74 é de salientar que este apenas pode apreciar petições contra Estados que ratificaram o Protocolo. Por outro lado, dentro desses Estados, apenas os que depositaram a declaração destinada a reconhecer a competência do Tribunal ADHP aceitam que ONG dotadas do estatuto de observador junto da Comissão e indivíduos sob a sua jurisdição submetam queixas diretamente ao mesmo Tribunal.75

Entre os casos mais significativos da jurisprudência que se desenvolveu desde a instalação do Tribunal ADHP,76 destaca-se o caso Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos c. Líbia (2016). Este é o primeiro caso apresentado ao Tribunal pela Comissão com base em comunicações recebidas por ONG. É também o primeiro caso apresentado pela Comissão com base em alegações de violações dos direitos humanos, inter alia, da proibição da tortura e das penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes consagrada no artigo 5 da Carta ADHP. Neste caso, o Tribunal reconheceu a existência de ‘direitos não derrogáveis qualquer que seja a situação que prevalece’,77 inclusive, portanto, na situação política e de segurança excecional que tem prevalecido na Líbia desde 2011. Especificou ainda que, entre estes direitos inderrogáveis, está ‘o direito de não ser submetido à tortura ou a penas ou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes’.78 Recordando as decisões da Comissão Africana e do Comité dos Direitos Humanos sobre o assunto,79 o Tribunal confirmou que: ‘A detenção incomunicável constitui (...) uma grave violação dos direitos humanos que pode levar a outras violações, tais como tortura, maus-tratos ou interrogatórios sem as devidas medidas de proteção’.80

No caso Alex Thomas c. Tanzânia (2015), levou em consideração as Linhas Diretrizes de Robben Island, que se referem à definição da tortura tal como estabelecida na Convenção contra a Tortura de 1984, para recordar que a tortura envolve um ‘sofrimento mental ou físico agudo (...) infligido intencionalmente para um propósito específico’.81

No caso Ally Rajabu e Outros c. Tanzânia (2019), o Tribunal ADHP associou a proibição da tortura ao respeito pela dignidade humana no contexto de condenações à pena de morte por enforcamento. Sustentou que, embora não tivesse havido qualquer vício processual, a imposição obrigatória da pena de morte e do enforcamento como método de execução violava a Carta ADHP:

O Tribunal observa que muitos métodos utilizados para a aplicação da pena de morte têm o potencial de equivaler à tortura, bem como a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, dado o sofrimento inerente à mesma. Em consonância com a própria lógica da proibição de métodos de execução que equivalem à tortura ou a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, a prescrição deve, portanto, ser que, nos casos em que a pena de morte é admitida, os métodos de execução devem excluir o sofrimento ou envolver o menor sofrimento possível.

O Tribunal observa que enforcar uma pessoa é um desses métodos e, portanto, é intrinsecamente degradante. Além disso, tendo verificado que a imposição obrigatória da pena de morte viola o direito à vida, devido à sua natureza arbitrária, este Tribunal considera que, como método de execução dessa sentença, o enforcamento viola inevitavelmente a dignidade, no que diz respeito à proibição da tortura e de tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.82

No caso Lucien Ikili Rashidi c. Tanzânia (2019), no qual estava em causa a legalidade de uma inspeção anal executada por guardas prisionais ao requerente na presença dos seus filhos, o Tribunal ADHP considerou que ‘a inspeção anal efetuada ao requerente constitui uma violação do seu direito ao respeito pela sua dignidade e a não ser submetido a tratamentos degradantes’.83 Concluiu que o Estado demandado tinha violado o artigo 5 da Carta africana.

4 FALHAS NACIONAIS NA IMPLEMENTAÇÃO DAS LINHAS DIRETRIZES DE ROBBEN ISLAND

Diversas falhas nacionais são detetáveis através de deficiências na adoção de leis ou mecanismos nacionais de prevenção ou ainda através da complacência ou do silêncio na repressão. Estas falhas podem indicar uma má-fé ou falta de vontade dos Estados africanos relativamente aos seus compromissos internacionais, em especial quanto aos princípios de interdição e repressão da tortura estabelecidos pelas Linhas Diretrizes de Robben Island.

4.1 No plano da adoção de leis e da criação de órgãos específicos

As dificuldades sentidas pelas autoridades nacionais na aplicação das Linhas Diretrizes de Robben Island explicam-se amplamente pelo ambiente social, jurídico e político que prevalece em diversos países africanos. Este é, por vezes, um ambiente tenso, marcado por crises ou até conflitos, onde a formação das forças de segurança e dos funcionários depositários da autoridade pública é rudimentar a não ser inexistente, onde a má governação, a corrupção e a violação das leis são comuns, e onde as decisões dos órgãos supranacionais são dificilmente cumpridas pelos Estados. Quer se trate da adoção de uma legislação específica ou do estabelecimento de um mecanismo próprio de prevenção da tortura, tal como preconizados pelas Linhas Diretrizes de Robben Island, há mais promessas vagas por parte dos Estados do que realizações concretas, o que se nota nos relatórios periódicos apresentados ao longo dos anos, onde se encontra a vontade reiterada das autoridades nacionais de melhorar o sistema dos direitos humanos.

A necessidade de uma legislação específica é clara.84 Em virtude do princípio da legalidade criminal, não pode haver crime sem lei anterior, nem pode haver pena sem prévia cominação legal, pelo que a tortura não pode ser punida sem ter sido incriminada a montante. No entanto, poucos Estados adotaram leis nesta área,85 alguns contentando-se com uma simples alusão à proibição da tortura na sua Constituição. A este respeito, como a Comissão ADHP teve a oportunidade de recordar em várias ocasiões nas suas questões abordadas quer durante o exame dos relatórios periódicos dos Estados86 quer durante as suas missões de promoção nos territórios nacionais,87 embora tal alusão seja importante, é insuficiente em si mesma. Consequentemente, é essencial criminalizar esta proscrição na legislação nacional e definir com precisão o regime de proibição e repressão, de modo a permitir que as vítimas apresentem queixas, que sejam realizadas investigações e que os atos alegados de tortura sejam levados a julgamento.

As visitas aos locais de detenção - sejam prisões, centros de detenção de menores, esquadras de polícia ou centros de retenção para estrangeiros - são igualmente essenciais, a fim de avaliar a forma como as pessoas privadas de liberdade são tratadas. Todavia, mais uma vez, poucos Estados estabeleceram um ou mais mecanismos nacionais de prevenção da tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, tal como recomendado pelas Linhas Diretrizes de Robben Island.88 Do mesmo modo, embora esses locais fechados possam ser propícios a abusos, poucos Estados instituíram programas de formação sobre a questão da prevenção e interdição da tortura e maus-tratos dirigidos aos membros das forças armadas e da polícia, bem como aos funcionários prisionais.

4.2 No plano da repressão das violações

Apesar de a proscrição da tortura e das penas e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes ter sido consagrada como norma internacional e regional, aliás absoluta, não só as violações são generalizadas em múltiplos contextos (maus-tratos a pessoas sob custódia policial, condições de detenção desumanas ou degradantes, expulsão expondo a pessoa em causa a um tratamento desumano no país terceiro de destino, etc.), mas também existem deficiências na repressão, o que é suscetível de enfraquecer esta norma.

A especificidade dos atos de tortura - muitas vezes praticados por funcionários públicos ou com o seu consentimento ou aquiescência - pode explicar a razão por que certos países não adotam medidas para criminalizar a tortura ou para criar mecanismos especiais para fiscalizar os locais de detenção. Sendo o Estado o agente repressor, menos vontade há de sancionar a tortura, especialmente quando esta é utilizada como instrumento contra opositores políticos ou contra qualquer veleidade de contestação, ou mesmo em certas circunstâncias consideradas difíceis, tais como a luta contra o terrorismo ou o crime organizado.

Por isto mesmo, muitas vezes existe uma falta de vontade na aplicação de sanções. A este respeito, é extremamente raro que os Estados tomem medidas contra estabelecimentos prisionais ou outros locais de detenção que praticam tortura. Do mesmo modo, é extremamente raro que os Estados tomem medidas para acabar com os locais de detenção secretos e para instaurar processos judiciais. A qualidade de agentes oficiais de que gozam os autores dos atos em causa faz-lhes beneficiar da complacência, se não do acordo das autoridades que deveriam sancionar os seus atos. Existem, assim, vários casos em que os perpetradores nunca são investigados e julgados,89 ou casos em que os tribunais carecem de independência em relação ao poder político e permanecem sob a influência do poder em vigor.90 Tais situações geram um estado de terror generalizado entre a população e um sentimento de impunidade entre as vítimas. Estas não só raramente beneficiam de apoio judiciário para poderem ser assistidas nos seus procedimentos por um advogado, como muitas vezes encontram-se privadas de vias de ação eficazes a nível nacional para pedirem reparação, enquanto as queixas aos órgãos judiciais ou quase judiciais dependem da aceitação da competência desses órgãos por parte dos Estados.

Além disso, outro aspeto que destaca outra faceta da má-fé do Estado é o facto de que, mesmo quando as vítimas conseguem que os autores de tortura sejam condenados em tribunal, são escassas as medidas de acompanhamento postas em prática para elas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: RECOMENDAÇÕES PARA UM MAIOR DINAMISMO NA LUTA CONTRA A TORTURA EM ÁFRICA

Longe de ser uma prática antiga agora erradicada, a tortura continua a prosperar, essencialmente nos locais onde as pessoas são privadas da sua liberdade. Para que a proibição da tortura não permaneça uma utopia, é urgente que ações mais efetivas sejam tomadas, tanto por parte dos Estados cuja má-fé é frequentemente flagrante nesta matéria, como por parte das instituições nacionais de direitos humanos e das organizações da sociedade civil.

A nível dos Estados, é necessário adotar rapidamente leis que criminalizem a tortura. Estas leis deverão prever o desmantelamento dos centros de detenção ilícitos, investigações aprofundadas, sanções adequadas, assim como um quadro para a indemnização e reabilitação das vítimas. É também essencial que seja prestada formação em direitos humanos ao pessoal nos principais locais de privação de liberdade - especialmente prisões, esquadras de polícia, centros de retenção dos migrantes - e aos magistrados encarregados de processar os atos de tortura.

A nível das instituições nacionais de direitos humanos e das organizações da sociedade civil, a fim de contrariar a má-fé dos Estados, é desejável que estas acompanhem mais as ações do CPTA na prevenção e proibição da tortura, bem como as atividades do CAEDBE no que diz respeito à categoria específica das crianças. Devido à sua proximidade com a população, elas têm um papel crucial a desempenhar,91 trabalhando pela adoção de mecanismos nacionais de prevenção, pela criminalização dos atos de tortura na legislação nacional e pela sensibilização para este flagelo, divulgando a existência dos apelos urgentes que podem ser lançados quando estão em curso casos de tortura e informando sobre a disponibilidade de recursos supranacionais.

 

 

 

 

 


1. Ver em particular: Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, artigo 5; Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966, artigo 7; Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas Contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1975; Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984.

2. Ver em particular: Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, artigo 5; Convenção Europeia dos Direitos Humanos, artigo 3; Convenção Americana dos Direitos Humanos, artigo 5(2); Carta Árabe dos Direitos Humanos, artigo 8.

3. Ver E Delaplace ‘L’interdiction de la torture: un impératif juridique à défendre’ in Rapport ACAT 2014. Un monde tortionnaire (2014) 282.

4. Ver as Convenções de Genebra de 1949 e os seus Protocolos Adicionais de 1977, especificamente o artigo 3 comum às Convenções de Genebra, os artigos 12 e 50 da 1ª Convenção, os artigos 12 e 51 da 2ª Convenção, os artigos 17, 87, 130 da 3ª Convenção, os artigos 32 e 147 da 4ª Convenção, o artigo 75(2), alíneas (a) e (e), do 1º Protocolo e o artigo 4 do 2º Protocolo. Ver também o Estatuto de Roma de 1998 do Tribunal Penal Internacional, artigos 7(1)(f), 8(2)(a)(ii) e 8(2)(c)(i).

5. Ver F Sudre ‘Commentaire de l’article 3 de la Convention’ in L-E Pettiti, E Decaux & P-H Imbert (dir) La Convention européenne des droits de l’homme: commentaire article par article (1995) 156. 

6. Tribunal EDH, Irlanda c. Reino Unido, queixa No. 5310/71, acórdão de 18 de janeiro de 1978, parágrafo 167.

7. Relatório da Comissão EDH no caso grego, 18 de novembro de 1969, capítulo IV, 186.

8. Tribunal EDH, Selmouni c. França, queixa No. 25803/94, acórdão de 28 de julho de 1999, parágrafo 99.

9. O Estatuto de Roma do TPI, no artigo 7(2)(e), não inclui o requisito do envolvimento de um agente público, mas apenas especifica que a vítima deve estar sob a custódia ou sob o controlo da pessoa que inflige a tortura. Nesse sentido, as Câmaras Africanas Extraordinárias proclamaram que ‘o direito costumeiro internacional não exige que os atos ou omissões que constituem o crime de tortura sejam cometidos ‘por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência’’ (Procurador-Geral c. Hissène Habré, julgamento de 30 de maio de 2016, parágrafo 1546). Este tribunal penal ad hoc foi criado em 2013 por um acordo entre a União Africana e o Senegal, com vista a julgar os principais responsáveis de crimes internacionais, incluindo a tortura, cometidos no Chade de 7 de junho de 1982 a 1 de dezembro de 1990.

10. Ver, em particular, Comissão ADHP: Spilg e Mack & Ditshwanelo (em nome de Lehlohonolo Bernard Kobedi) c. Botswana, comunicação 277/2003, dezembro de 2011, parágrafo 163; International PEN e Outros c. Nigéria, comunicações 137/94, 139/94, 154/96 e 161/97, 31 de outubro de 1998, parágrafo 79.

11. Ver Câmaras Africanas Extraordinárias, Procurador-Geral c. Hissène Habré, julgamento de 30 de maio de 2016, parágrafo 1551: ‘Para avaliar a gravidade do mau trato, deve-se avaliar a gravidade objetiva dos sofrimentos e das dores infligidos e, em particular, a natureza, finalidade e persistência dos atos cometidos. São também considerados critérios mais subjetivos, como o estado de saúde mental e física da vítima, as consequências do tratamento a que foi submetida, a idade, o sexo ou o estado de saúde da vítima, ou mesmo a sua situação de inferioridade’.

12. Sobre a consagração jurisprudencial das normas imperativas, ver em particular C Maia ‘Consagração de direitos humanos imperativos: reavivar o diálogo entre os tribunais internacional e regionais’ (2020) 20 Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos 81-96.

13. De acordo com a definição dada no artigo 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, uma norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens) é ‘uma norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como norma cuja derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza’.

14. TPIJ, Câmara de Primeira Instância II, Procurador c. Anto Furundzija, processo No. IT-95-17/1-T, julgamento de 10 de dezembro de 1998, parágrafo 153. Neste caso, o Tribunal declarou: ‘É de notar que a proibição da tortura ao abrigo dos tratados de direitos humanos consagra um direito absoluto que não pode ser derrogado, mesmo numa situação de crise (daí decorre que a proibição se aplica igualmente em tempos de conflito armado)’ (parágrafo 144). Declarações semelhantes podem ser encontradas nos julgamentos proferidos nos casos Procurador c. Zejnil Delalić e Outros (processo No. TI-96-21-T, 16 de novembro de 1998, parágrafo 454) e Procurador c. Dragoljub e Outros (processo No. TI 96-23-T e TI-96-23/1, 22 de fevereiro de 2001, parágrafo 466).

15. TPIJ, Câmara de Primeira Instância II, Procurador c. Anto Furundzija, processo No. IT-95-17/1-T, julgamento de 10 de dezembro de 1998, parágrafo 154.

16. Tribunal EDH, Al-Adsani c. Reino Unido, queixa No. 35763/97, acórdão de 21 de novembro de 2001, parágrafo 61. Ver também no mesmo sentido Tribunal EDH: Othman (Abu Qatada) c. Reino Unido, queixa No. 8139/09, acórdão de 17 de janeiro de 2012, parágrafo 266; Naït-Liman c. Suíça, queixa No. 51357/07, acórdão de 15 de março de 2018, parágrafo 129; Volodina c. Rússia, queixa No. 41261/17, acórdão de 9 de julho de 2019, parágrafo 8.

17. Tribunal IDH, Maritza Urrutia c. Guatemala, acórdão de 27 de novembro de 2003, Série C No. 103, parágrafos 89 e 92. Ver também no mesmo sentido Tribunal IDH: Valenzuela Ávila c. Guatemala, acórdão de 11 de outubro de 2019, Série C No. 386, parágrafo 180; Azul Rojas Marin e Outra c. Peru, Série C No. 402, acórdão de 12 de março de 2020, parágrafo 140.

18. TIJ, Questões relativas à obrigação de processar ou extraditar (Bélgica c. Senegal), acórdão de 20 de julho de 2012, ICJ Reports 2012, parágrafo 99.

19. Câmaras Africanas Extraordinárias, Procurador-Geral c. Hissène Habré, julgamento de 30 de maio de 2016, parágrafo 1541.

20. Em 2011, no caso Egyptian Initiative for Personal Rights e Interights c. Egipto, a Comissão ADHP limitou-se a expor o argumento dos queixosos de que a proibição da tortura é uma norma imperativa, sem, todavia, adotar essa qualificação por conta própria (comunicação 334/06, 1 de março de 2011, parágrafo 110).

21. Neste sentido, ver: Tribunal ADHP, Armand Guehi c. Tanzânia, mérito e reparações, acórdão de 7 de dezembro de 2018, parágrafo 131; Tribunal ADHP, Lucien Ikili Rashidi c. Tanzânia, mérito e reparações, acórdão de 28 de março de 2019, parágrafo 88; Comissão ADHP, Huri-Laws c. Nigéria, comunicação 225/98, 6 de novembro de 2000, parágrafo 41; Comissão ADHP, Abdel Hadi, Ali Radi & Outros c. Sudão, comunicação 368/09, 5 de novembro de 2013, parágrafo 69. Ver também a Convenção contra a tortura, artigo 2(2) e as Linhas Diretrizes de Robben Island, parágrafo 9.

22. Este artigo 5 pode ser relacionado com o artigo 4 da Carta ADHP sobre o direito ao respeito pela integridade física e moral. Para um comentário do artigo 5, ver: ‘Article 5: Prohibition of slavery and torture and other forms of ill-treatment’ in R Murray The African Charter on Human and Peoples’ Rights: A Commentary (2020) 132-183; Benedita Mac Crorie ‘Artigo 5’ in P Jerónimo, R Garrido & M de Assunção do Vale Pereira (coord) Comentário Lusófono à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (2018) 79-85.

23. Protocolo de Maputo adotado sob a égide da União Africana em 11 de julho de 2003 e que entrou em vigor em 25 de novembro de 2005.

24. No mesmo artigo 4, um longo parágrafo 2 prevê que os Estados se comprometem a tomar uma série de ‘medidas apropriadas e efetivas’ com vista, inter alia, a adotar ou reforçar as leis que proíbem as violências contra as mulheres, prevenir e eliminar as causas dessas violências, ou ainda punir os autores de tais violências.

25. Formalmente, as Linhas Diretrizes de Robben Island foram adotadas pela Comissão ADHP na sua 32ª sessão ordinária em outubro de 2002 (Resolução CADHP/Res.61(XXXII)02), e subsequentemente aprovadas pela Conferência dos chefes de Estado e de governo da União Africana, realizada em Maputo, em Moçambique, em julho de 2003. Geograficamente, a localização da adoção do texto na ilha de Robben é altamente simbólica, pois foi na prisão construída nesta ilha que Nelson Mandela foi detido durante vários anos, juntamente com outros opositores da política de apartheid da África do Sul.

26. Esta mudança de nome, que teve lugar com a adoção da Resolução CADHP/Res.158(XLVI)09 na 46ª sessão ordinária da Comissão Africana em 2009, foi motivada pelas dificuldades que as partes interessadas tiveram em associar o nome do Comité ao seu mandato de luta contra a tortura.

27. Comissão ADHP, Resolução CADHP/Res.61(XXXII)02, 2002.

28. Uma terceira e última parte, mais curta, visa atender às necessidades das vítimas, o que implica que os Estados tomem medidas para assegurar a sua proteção e para conceder-lhes reparação.

29. As ligações entre a tortura e as execuções extrajudiciais foram destacadas em várias decisões da Comissão ADHP. Ver em particular: Organização Mundial contra a Tortura e Outros c. Ruanda, comunicações 27/89, 46/91, 49/91, 99/93, outubro de 1996; Spilg e Mack & Ditshwanelo (Kobedi) c. Botswana, comunicação 277/03, dezembro de 2011, parágrafo 167 (as execuções extrajudiciais podem constituir penas ou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes).

30. Nesta ocasião, foi feita uma declaração conjunta entre, por um lado, o Comité das Nações Unidas contra a Tortura, o Subcomité das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura, o Fundo Voluntário das Nações Unidas para as Vítimas da Tortura e o Relator Especial das Nações Unidas sobre a Tortura, por outro lado, o Comité para a Prevenção da Tortura em África, a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos e o Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes.

31. Linhas Diretrizes de Robben Island, parágrafo 9: ‘Nenhuma circunstância excecional, tais como o estado de guerra, ameaça de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra situação de emergência pública, não pode ser invocada como justificação para a tortura, penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes’.

32. Parágrafo 7.

33. Parágrafo 8.

34. Convenção contra a Tortura, artigo 5.

35. Ver a decisão do Comité contra a Tortura a propósito do julgamento de Hissène Habré no Senegal, Suleymane Guengueng e Outros c. Senegal, comunicação 181/2001, ONU doc. CAT/C/36/D/181/2001, 19 de maio de 2006.

36. Linhas Diretrizes de Robben Island, parágrafo 15.

37. Neste sentido, no seu Comentário Geral No. 20 (1992), o Comité dos Direitos Humanos afirmou, relativamente ao artigo 7 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos que proíbe experiências médicas ou científicas realizadas sem o livre consentimento do interessado, que ‘é necessária uma proteção especial contra tais experiências no caso de pessoas incapazes de dar um consentimento válido, em particular aquelas que estão sujeitas a uma forma qualquer de detenção ou prisão’ (parágrafo 7). Acrescentou que: ‘Não basta, para cumprir o artigo 7, proibir tais penas ou tratamentos, ou declarar que a sua aplicação constitui uma infração. Os Estados partes devem informar o Comité das medidas legislativas, administrativas, judiciais e outras que estão a tomar para prevenir e reprimir os atos de tortura’ (parágrafo 8).

38. A respeito da obrigação de prevenir a tortura, ver em particular: Tribunal ADHP, Alex Thomas c. Tanzânia, mérito, acórdão de 20 de novembro de 2015, parágrafo 144; Tribunal EDH, A. c. Reino Unido, queixa No. 100/1997/884/1096, acórdão de 23 de setembro de 1998, parágrafo 22.

39. Linhas Diretrizes de Robben Island, parágrafo 20.

40. Parágrafos 21-32.

41. Parágrafos 33-44.

42. Parágrafo 35.

43. A privação de liberdade das crianças deve ser uma medida de último recurso, um conjunto de medidas alternativas devendo estar disponível para garantir o seu bem-estar. Nos casos em que a detenção de crianças seja absolutamente necessária, deverá ser aplicada pelo período de tempo mais breve possível e visar a sua reabilitação e a reinserção na sociedade. Ver, nesse sentido, o artigo 37 da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989.

44. Linhas Diretrizes de Robben Island, parágrafo 36.

45. Parágrafos 38-44.

46. Parágrafos 47-48.

47. Carta ADHP, artigo 62.

48. Linhas Diretrizes de Robben Island, parágrafo 1.

49. Fonte: ONU, Coleção dos Tratados (https://treaties.un.org).

50. Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, preâmbulo.

51. Artigo 1.

52. Artigo 17.

53. Artigo 2.

54. Trata-se dos seguintes Estados: África do Sul, Benim, Burkina Faso, Burundi, Cabo Verde, Gabão, Gana, Libéria, Madagáscar, Marrocos, Mali, Maurícia, Mauritânia, Moçambique, Níger, Nigéria, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Ruanda, Senegal, Sudão, Togo, Tunísia. Fonte: ONU, Coleção dos Tratados (https://treaties.un.org).

55. Em 2022, 14 Estados africanos dispunham de tais mecanismos: África do Sul, Burkina Faso, Cabo Verde, Mali, Marrocos, Maurícias, Mauritânia, Moçambique, Níger, Nigéria, Ruanda, Senegal, Togo, Tunísia. Fonte: Associação para a Prevenção da Tortura (https://www.apt.ch).

56. Em 1 de julho de 2022, dos 55 Estados-Membros da UA, apenas o Marrocos não ratificou a Carta ADHP. Fonte: União Africana (https://au.int/en/treaties).

57. Ver, em particular, Comissão ADHP, comunicação 334/06, Egyptian Initiative for Personal Rights e Interights c. Egipto, 3 de março de 2011, parágrafos 168-169 (‘É um princípio bem estabelecido do Direito Internacional dos Direitos Humanos que, quando uma pessoa é ferida em detenção ou sob o controlo das forças de segurança, existe uma forte presunção de que essa pessoa tenha sido sujeita a tortura ou a maus-tratos’; ‘As circunstâncias da detenção incomunicável e dos interrogatórios das vítimas são tais que as provas são necessariamente limitadas’, de modo que o ónus da prova recai sobre o Estado demandado); Tribunal ADHP, Léon Mugesera c. Ruanda, mérito, acórdão de 27 de novembro de 2020, parágrafo 84 (o ónus da prova para alegações de maus-tratos pode ser invertido se o requerente fornecer elementos de prova prima facie em apoio das suas alegações).

58. Carta ADHP, artigos 48-49.

59. As obrigações erga omnes decorrem de normas que protegem interesses essenciais da comunidade internacional, pelo que todos os Estados têm um interesse jurídico na sua observância. Ver TIJ, Barcelona Traction, Light and Power Company, Limited (Bélgica c. Espanha), acórdão de 5 de fevereiro de 1970, parágrafos 33-34.

60. Comissão ADHP, República Democrática do Congo c. Burundi, Ruanda e Uganda, comunicação 227/99, 29 de maio de 2003, parágrafo 71.

61. Carta ADHP, artigo 55.

62. Comissão ADHP, Relatório de Atividades do 25º Aniversário da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, 52ª sessão ordinária, Yamoussoukro (Costa do Marfim), 9-22 de outubro de 2012, 97.

63. Ver, em particular, Comissão ADHP: John K. Modise c. Botswana, comunicação 97/93, abril de 1997, parágrafo 32 (a Comissão inferiu dos factos do caso um tratamento desumano e degradante: ‘O queixoso foi deportado para a África do Sul e foi forçado a viver durante oito anos no Bantustão de Bophutatswana e depois por mais sete anos num ‘no man’s land’ entre o antigo Bantustão sul-africano de Bophuthatswana e o Botswana. Ele não só foi exposto ao sofrimento pessoal, mas também foi privado da sua família, sendo esta também privada do seu apoio’); Huri-Laws c. Nigéria, comunicação 225/98, 6 de novembro de 2000, parágrafo 40 (a recusa a uma pessoa detida de estar em contato com o mundo exterior e de ter acesso a cuidados médicos constitui um tratamento cruel, desumano e degradante).

64. Comissão ADHP, Organização Mundial contra a Tortura e Outros c. Ruanda, comunicações 27/89, 49/91, 99/93, outubro de 1996, parágrafos 24-25.

65. Comissão ADHP, Movimento Burquinense pelos Direitos Humanos e dos Povos c. Burkina Faso, comunicação 204/97, abril-maio de 2001, parágrafo 44.

66. Comissão ADHP, International PEN e Outros, comunicações 137/94, 139/94, 154/96 e 161/97, 31 de outubro de 1998, parágrafo 79.

67. Comissão ADHP, Purohit e Moore c. Gâmbia, comunicação 241/2001, 15 maìo de 2003, parágrafo 57.

68. As violações alegadas dizem respeito tanto à má conduta de agentes oficiais quanto às condições físicas ou psicológicas, tais como o acesso a alimentos ou a cuidados médicos. Ver, entre outros, Comissão ADHP: International PEN e Outros c. Nigéria, comunicações 137/94, 139/94, 154/96 e 161/97, 31 de outubro de 1998, parágrafos 79-81 (relativamente a um detido e outros codetidos espancados, amarrados às paredes das celas e privados de cuidados médicos); Huri-Laws c. Nigéria, comunicação 225/98, 6 de novembro de 2000, parágrafo 41 (negação de assistência médica).

69. Comissão ADHP, Purohit e Moore c. Gâmbia, comunicação 241/2001, 15 maìo de 2003, parágrafo 59 (relativamente a doentes internados em unidades psiquiátricas, o facto de rotular ‘as pessoas que sofrem de doença mental como ‘dementes’ e ‘idiotas’, termos que, indubitavelmente, as desumanizam e lhes negam qualquer forma de dignidade’ é uma violação do artigo 5).

70. Ver Comissão ADHP, Curtis Francis Doebber c. Sudão, comunicação 236/2000, 29 maìo de 2003, parágrafo 42 (‘Não há nenhum direito que permita que indivíduos, e em particular o governo de um país, inflijam violência física a pessoas por delitos menores. Tal direito equivaleria a autorizar a tortura apoiada pelo Estado ao abrigo da Carta e seria contrário à própria natureza deste tratado de direitos humanos’).

71. Comissão ADHP, International PEN e Outros, comunicações 137/94, 139/94, 154/96 e 161/97, 31 de outubro de 1998, parágrafos 79-80.

72. O mecanismo dos apelos urgentes está previsto pela regra 85 do Regulamento Interno da Comissão ADHP. Ver, a este respeito, S Joseph et al. Quel recours pour les victimes de la torture? Guide sur les mécanismes de communications individuelles des organes de traités des Nations Unies (2014) 150-151.

73. Ocorre, por vezes, que os Estados permaneçam inertes após a correspondência que lhes é dirigida. Foi o caso, por exemplo, do Zimbabué, que não respondeu em 2020 à correspondência que lhe foi enviada na sequência de um apelo urgente relativo a alegações de maus-tratos sofridos por mulheres defensoras dos direitos humanos no país.

74. De acordo com o artigo 5 do Protocolo relativo ao Tribunal ADHP: ‘Poderão submeter casos ao Tribunal: a) a Comissão; b) o Estado Parte que tiver apresentado uma queixa à Comissão; c) o Estado Parte contra o qual foi apresentado uma queixa na Comissão; d) o Estado Parte cujo cidadão é vítima de violação dos direitos humanos; e) organizações intergovernamentais africanas’.

75. Em 1 de julho de 2022, 33 Estados-Membros da União Africana ratificaram o Protocolo que institui o Tribunal Africano, dos quais apenas oito submeteram a declaração referida no parágrafo 6 do artigo 34 do Protocolo, através da qual aceitam a competência do Tribunal, a saber: Burkina Faso, Gâmbia, Gana, Guiné-Bissau, Mali, Malawi, Níger, Tunísia. Fonte: Tribunal ADHP (https://www.african-court.org).

76. Sem pretensões de exaustividade, entre outros casos relevantes em que o Tribunal ADHP teve de se pronunciar sobre o cumprimento do artigo 5 da Carta Africana, ver: Nguza Viking (Babu Seya) e Johnson Nguza (Papi Kocha) c. Tanzânia, mérito, acórdão de 23 de março de 2018, parágrafos 66 e seguintes; Armand Guehi c. Tanzânia, mérito e reparações, acórdão de 7 de dezembro de 2018, parágrafos 126 e seguintes (recordando, no parágrafo 131, a natureza absoluta da proibição estabelecida pelo artigo 5, o Tribunal conclui, no parágrafo 136, que ‘o Estado requerido violou o direito do requerente de não ser sujeito a um tratamento desumano e degradante protegido pelo artigo 5 da Carta em relação à privação de alimentação’); Léon Mugesera c. Ruanda, mérito e reparações, acórdão de 27 de novembro de 2020, parágrafos 74 e seguintes (o Tribunal declara, no parágrafo 92, que o Estado ‘tem a obrigação de exercer uma supervisão sistemática sobre as regras, instruções, métodos e práticas de interrogatório e sobre as modalidades de detenção e de tratamento das pessoas presas, detidas ou encarceradas de qualquer forma em qualquer território sob a sua jurisdição’, o que o Ruanda não fez neste caso).

77. Tribunal ADHP, Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos c. Líbia, mérito, acórdão de 3 de junho de 2016, parágrafo 76.

78. Parágrafo 77.

79. Respetivamente parágrafos 79 e 84.

80. Parágrafo 84.

81. Tribunal ADHP, Alex Thomas c. Tanzânia, mérito, acórdão de 20 de novembro de 2015, parágrafo 145. Neste caso, o Tribunal considera que ‘o requerente não apresentou a prova de que o atraso na tramitação do seu recurso em apelação equivale à tortura. Isto porque não forneceu a prova de que o atraso lhe causou um sofrimento mental ou físico agudo que lhe foi intencionalmente infligido para um determinado fim. Além disso, está a cumprir uma pena de acordo com as sanções legais que lhe foram impostas. Por esta razão, o Tribunal conclui, portanto, que não houve violação do artigo 5 da Carta’ (parágrafo 145).

82. Tribunal ADHP, Ally Rajabu e Outros c. Tanzânia, mérito e reparações, acórdão de 28 de novembro de 2019, parágrafos 118-119. Neste sentido, ver igualmente Amini Juma c. Tanzânia, mérito, acórdão de 30 de setembro de 2021, parágrafo 136.

83 Tribunal ADHP, Lucien Ikili Rashidi c. Tanzânia, mérito e reparações, acórdão de 28 de março de 2019, parágrafo 96. Neste caso, o Tribunal Africano cita a jurisprudência dos Tribunais Europeu e Interamericano dos Direitos Humanos em casos semelhantes. Recorda igualmente os critérios estabelecidos pela Comissão Africana quanto ao artigo 5 da Carta: ‘O Tribunal observa que a Comissão Africana, para apreciar de modo geral se o direito ao respeito da dignidade inscrito no artigo 5 da Carta foi violado, levou em conta três fatores principais. O primeiro é que o artigo 5 não contém qualquer cláusula restritiva. A proibição da violação da dignidade através de um tratamento cruel, desumano e degradante é, portanto, absoluta. O segundo fator quer que esta proibição seja

83. interpretada como visando a proteção, a mais ampla possível, contra os abusos físicos ou psicológicos. Finalmente, o sofrimento pessoal e o atentado à dignidade podem assumir diversas formas e a sua apreciação depende das circunstâncias de cada caso’ (parágrafo 88). No mesmo sentido, ver Comissão ADHP: Media Rights Agenda c. Nigéria, comunicação 224/98, outubro-novembro de 2000, parágrafo 71; Curtis Francis Doebbler c. Soudan, comunicação 236/00, 4 maìo de 2003, parágrafo 37; Institute for Human Rights and Development in Africa (em nome de Esmaila Connateh e 13 Outros) c. Angola, comunicação 292/04, 22 maìo de 2008, parágrafo 52.

84. Ver, a este respeito, os parágrafos 1 e 4 das Linhas Diretrizes de Robben Island, assim como o artigo 2 da Convenção contra a Tortura.

85. Este dado provém das nossas discussões junto do CPTA, que toma conhecimento da existência de tais leis quando os Estados respondem às alegações de tortura ou incluem esta informação nos seus relatórios periódicos. Embora não existam estatísticas oficiais sobre este ponto, é possível identificar alguns países que adotaram uma legislação específica: Burkina Faso (Lei No. 022-2014/AN de 27 de maio de 2014 sobre a prevenção e repressão da tortura e práticas afins), República Democrática do Congo (Lei No. 11/008 de 9 de julho de 2011 sobre a criminalização da tortura), Mauritânia (Lei No. 2015-033 de 23 de janeiro de 2013 sobre a luta contra a tortura), África do Sul (Act No. 13 of 2013: Prevention of Combating and Torture of Persons Act, 29 de julho de 2013).

86. Ver, em particular, Comissão ADHP, Relatório de Atividades do 25º Aniversário da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (n 62) 98.

87. Durante a sua missão de promoção no Botswana em 2018, a Comissão Africana exortou o Estado a adotar um mecanismo nacional de prevenção, embora a sua Constituição proíba a tortura no artigo 7.

88. Ver, a este respeito, o parágrafo 17 das Linhas Diretrizes de Robben Island, bem como o artigo 3 do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura.

89. No caso da Tunísia, por exemplo, foi observado que: ‘Os tribunais sob o antigo regime recusavam-se geralmente a registar queixas de tortura, exceto nos raros casos em que tinha havido pressão da sociedade civil e insistência por parte de advogados bem conhecidos por sua defesa dos direitos humanos. Esses casos alistados não deram origem a investigações sérias e eficazes’ (Tunísia. Relatório alternativo ao Comité contra a Tortura das Nações Unidas, 57ª sessão, 18 de abril-13 de maio de 2016, página 9). ‘Após a revolução de [2011], o obstáculo para levar casos à justiça foi levantado e centenas de queixas por tortura foram registadas nos tribunais. Infelizmente, até à data, nenhum desses casos teve como resultado uma resposta judicial satisfatória. A maior parte destes casos não deu lugar aos atos de instrução mais elementares tendentes à procura da verdade’ (página 10).

90. No caso do Burundi, por exemplo, num contexto de contestação a um terceiro mandato do falecido presidente Pierre Nkurunziza, a queixa submetida à Comissão ADHP contra o Estado burundiano alegava a impossibilidade de fazer julgar atos de tortura e tratamentos desumanos devido à influência do regime no poder sobre o poder judicial. Ver Comissão ADHP, comunicação 587/15, Rádio Pública Africana c. Burundi, fevereiro de 2016.

91. Ver F Viljoen & C Odinkalu La prohibition de la torture et des mauvais traitements dans le système africain des droits de l’homme. Guide pratique juridique à l’intention des victimes et de leurs défenseurs (2014) 125.